12 de dezembro de 2013

Carta.


   Lisboa, 12 de Dezembro de 2013,


   A ti,


   Aproxima-se mais um Natal. Como de costume, escrevo umas parcas palavras. Os anos trouxeram consigo uma evolução e, há dias, relendo as cartas que por anos te escrevi, apercebi-me de algum ridículo, de alguma ingenuidade e, sobretudo, de uma boa dose de inocência. Guardo-as a todas, uma por uma. A de 2005 será a mais pessimista. Saberás que os pais estavam em processo de divórcio e, curiosamente, o meu pedido não ia no sentido de uma reconciliação; pelo contrário, e afastando daí todas as minhas preocupações, pedi apenas para que olhasses por eles, independentemente do rumo que seguissem. A de 2004 é absolutamente infantil. O que dirás da de 2002? Hoje são um pequeno tesouro, que não diria deprimente. Orgulho-me de não terem qualquer erro ortográfico. Fico satisfeito.

   Este ano não diferiu em larga medida dos anteriores. Houve uma evolução na continuidade. Às vezes, quando dou por mim a lastimar disto e daquilo, penso se o que me espera será sempre e apenas um seguimento. Uma vida sem grandes sobressaltos, monótona. Não que a queira agitada, até porque somos os empreiteiros de obra própria e só a nós podemos imputar qualquer responsabilidade. Um pó mágico por aqui e ali sempre dá alguma ajuda...

   Os meus pedidos são simples. Não rejeitarei o que for dado de coração e, tarde, mas a tempo, vejo que o que verdadeiramente releva é o que nos dão por carinho, por estima... 'por amor'. Desengana-te. Não perdi o apego aos bens materiais, como verás adiante; sinto, contudo, a sua mesquinhez perante valores maiores. E, progressivamente, é algo de que vou tendo consciência. Aprendo o valor do 'dar' no lugar de 'receber' e do sorriso que se obtém em troca.

   Seria impossível não referir os estudos. Nesse sentido, peço que tudo continue a correr como até agora - já fico bem se assim for. Estou na recta final e o caminho afigura-se difícil de trilhar. Se cheguei aqui, só preciso de mais um empurrão rumo a lado nenhum.

  Não toco no 'amor'. Não acredito no amor carnal. Acredito no filial, parental. Acredito na amizade - pouquíssimo, quase nada. A desinteressada está em vias de extinção. Lamento pela humanidade e não me excluo da culpa.
   Há quem defenda a ideia de que só seremos felizes quando preterirmos tudo o que é mundano pela elevação espiritual. Não irei por aí porque a imperfeição ainda é tal, mas forte é o homem que controla os seus impulsos, que busca prazer no retiro, numa caneca de café, num livro, num passeio, ao mesmo tempo que cuida e conserva os seus entes próximos e queridos. Uma mãe devota, um pai presente e amigo, um irmão diligente.

   O Natal é uma hipocrisia como o são todos os actos humanos. 
  Do que adianta lutarmos contra eles se não os podemos vencer? E, vistas as coisas, as luzes dão um outro brilho e quase que diria que é bom acreditar que seremos bons e altruístas durante umas horas. Se o formos, ainda que sob condição, e nem que tudo se esqueça no virar do vinte cinco para o vinte seis, algo é proveitoso.

   Nesta semana que se aproxima, encher-me-ei de presentes até que as mãos me doam de tanto saco. E virei iludido para casa, com a sensação de que sou... feliz. Coloco os presentes, que sei o que contêm, perto da árvore e abri-los-ei, mentirosamente, pela meia-noite. Somos tão previsíveis. Veja-se o lado bom, que contorno o cinismo da época e compro a mim mesmo, em quantidade superior que o menino Jesus é generoso.

   Não me alongarei mais. O tempo é curto e a carta vai extensa.

   Vai olhando pelos homens... e por mim.

   
   lots of love,

Mark

   

29 comentários:

  1. Um Grande Abraço amigo Mark

    Terás um presente lindo começado por P

    :D

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    1. Tenho um presente que ele me deu, lá isso tenho. :)

      abraço, Francisco.

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  2. ##
    - O Natal é uma hipocrisia como o são todos os actos humanos.
    É mesmo Mark. Já estou enjoado do som das canções de Natal de manhã à noite nas vilas e cidades. Eu se trabalhasse numa dessas lojas, hibernava até ao dia 2 de janeiro. Fecho com outra expressão tua: Se cheguei aqui, só preciso de mais um empurrão rumo a lado nenhum.
    Nada mais triste do que ter milhares de portugueses a pensarem no mesmo, incluindo a minha pessoa...
    Abraço

    @@


    De qualquer forma, saúde e paz para ti

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    1. O Natal é uma invenção. Inventou-se para se comemorar o nascimento de Cristo - que nem nasceu em Dezembro. Foi bem. Tinha de se comemorar em algum mês do ano. Escolheu-se o que mais convinha pois já os romanos tinham uma série de festas pagãs em Dezembro... Até aí tudo bem. O problema é que já nem o nascimento de Cristo comemoram. Limitam-se a trocar presentinhos e a proferir palavrinhas de circunstância PEJADAS de falsidade. Estou fora.

      Prefiro comprar para mim.

      Oh, João, lamento. Espero que tudo se resolva. :/

      abraço e obrigado pelos teus votos. Desejo o mesmo a ti.

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  3. Eu gosto do Natal. Aí deve ser bem mais bonito pelo frio, pela neve... Vc tem razão. É uma época de muita hipocrisia e falsidade mas é assim, fazer o quê? Achei bonitinho sua cartinha pro Papai Noel :) É inocente, Vc ainda escreve todo ano uma cartinha mesmo? Que bonitinho owwwn :)

    Abraço Mark!

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    1. Aqui onde eu moro não neva. :) Acreditas que nunca vi neve ao vivo?* Pois é. :) Conheço pouco mais de Portugal que tu.

      Oh, viva o Natal. LOL Viva! Vou encher-me de presentes e isso é que importa.

      Não sei se é para o Pai Natal (é assim que aqui designamos o vosso Papai Noel). Hoje será mais para Ele, que ainda vou acreditando. Mas, sim, quando era mais pequeno era para o Papai Noel. :P

      abraço.

      *Exceptuando quando nevou em Lisboa, lá por 2006, mas mal vi a neve. Nunca a senti.

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  4. É uma carta do menino Mark ao menino Jesus.
    Como teria respondido o menino Jesus ao menino Mark?

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  5. o natal devia ser da família, daqueles que pouco se vêem durante o ano e se reúnem à volta de uma grande mesa e partilham o bacalhau com todos ou o polvo ou o perú e vestem camisolas quentinhas com renas desenhadas e recebem meias e bombocas em tubos de papelão e não falam em pai natal mas em menino jesus.
    devia, não é verdade? para muitos, somente nesta altura do ano estão com os seus familiares, mesmo hipócritas, e há abraços e beijos e cochichos e sorriem e se sentem menos sozinhos e no dia seguinte regressam à sua vida com uns presentes debaixo do braço, umas meias, uns chocolates, o resto dos sonhos num tupperware e pensam que o bolo-rei devia trazer o brinde e a fava como antigamente...
    boas prendas.
    bjs.

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    1. Pois é... e quantas vezes não interrompem onze meses de brigas para que se possam reunir num jantar de Natal, retomando-as no dia vinte seis. Isso não é Natal. É cinismo.

      E não nos podemos esquecer daqueles que o passam sozinhos, mesmo com familiares por perto, abandonados à sua sorte, quem sabe o último Natal...

      um beijinho e obrigado.

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  6. Só te digo uma coisa: lamento... lamento que tenhas perdido a magia, que já não acredites na verdadeira amizade e no poder do amor, sem ser o parental, é triste, mas talvez seja essa a tua prenda deste ano, um pouco de magia :)
    Feliz Natal Mark (:

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    1. Sem querer ser paternalista (pouco mais velho sou), a vida torna-nos cépticos, Kyle. Com a tua idade, que julgo ser dezassete, por aí, acreditava no amor e em tudo e mais alguma coisa. Bem sei que a magia deveria perdurar por umas décadas, mas lentamente vai se apagando.

      Acredito muito pouco no ser humano, é verdade.

      Feliz Natal, Kyle. :)

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    2. não sei não, vejo pessoas mais velhas com aquele brilho peculiar no olhar e acredito ser essa a magia, a verdadeira magia, aquela que eu quero preservar e que no fundo no fundo tu ainda não perdeste. :)

      r: não, eu não me quero afastar da escrita, quero-me afastar do Kyle :( Obrigado!

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    3. Ainda não perdi toda a magia. Já tive foi bem mais...

      Sim, claro, não me referia em concreto 'à escrita', mas sim ao blogue e ao 'Kyle', digamos assim. Se vês que é o que te fará melhor, não hesites. É suposto isto ser uma distracção e não uma imposição ou algo que ainda traga mais perturbações à vida, que já de si é complicada que baste...

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    4. exatamente isso e é por isso que não é um regresso, talvez um recomeço.

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  7. Mark,

    Nunca comentei aqui, mas gosto muito do seu jeito de escrever, tudo tão explicadinho.
    Natal é um porre mesmo, a magia fica por conta do álcool.
    Abraço,

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    1. Olá Ti@go, bem-vindo. :)

      Muito obrigado pelas palavras. :)

      um abraço.

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  8. Bacana...
    Contei desta frase " O Natal é uma hipocrisia como o são todos os actos humanos. "...rs
    Abraços!!!

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    1. É uma verdade inquestionável. :)

      abraço, Ro. :)

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  9. Cartas ao menino Jesus, um menino tão crescido? :P

    Um admirador

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    1. Ahahah, nunca é tarde para se acreditar em algo. E depois, nem sei a quem a escrevo. Sei que é a Ele, seja lá quem for ou o que for...

      Um admirador? Boa. :) Obrigado!

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  10. Para mim também o Natal já teve muito mais significado do que têm agora, é que já nem as prendas me alegram, como antigamente. Olho para os lados, e não vejo mais do que as hipocrisias que tu dizes. Não fosse a alegria das minhas sobrinhas, que tão ingenuamente ficam muitíssimo felizes por receberem tantos brinquedos novos, e o Natal perderia o pouco interesse que têm! Por isso de certa forma consigo compreender o que queres dizer!

    Mas não percas a fé... o amor é possível... e tu vais ser muito feliz! All you need is love, como diz a música!

    Grande Abraço ;-)

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    1. Efectivamente... Nem os presentes me dão a alegria de outrora...

      Creio que o Natal já só mantém o significado para as crianças. Bom, cá em casa continuamos a 'montar' a árvore, a dar um espírito natalício. A verdade é que pela mãe nem a árvore sairia da arrecadação. Ela não liga nada ao Natal.

      É uma enorme hipocrisia. Muitas campanhas de solidariedade, muito 'amor', muito carinho e, a partir de dia vinte seis, tudo volta ao mesmo. Será que o altruísmo é exclusivo do Natal? Não há fome durante todo o ano? É demagogia, bem sei; o pior é que temos razão.

      Oh, obrigado pelas palavras. :) Espero que tenhas razão.

      um abraço grande.

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  11. Uma carta muito bem escrita e nada hipócrita, numa época (concordo contigo) cheia de hipocrisias.
    Eu nunca escrevi ao Pai Natal ou ao Menino Jesus, mas já houve um ano que escrevi uma carta que deixei num sobescrito na árvore de Natal de minha casa, tinha eu para aí uns vinte e poucos anos; era uma carta a uma prostituta, que passava a noite de Natal na rua a trabalhar...e eu nunca fui frequentador de prostitutas, mas naquele ano deu-me para aquilo.
    Claro que choquei a família, mas se calhar era mesmo isso o que eu pretendia, precisamente porque a partir de certa altura comecei a achar o Natal uma grande hipocrisia.

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    1. Obrigado, João.

      Oh, que lindo episódio. Foi um gesto simbólico. Realmente, não raras vezes nos esquecemos daqueles que passam o Natal na rua, ou como sem-abrigos, ou como mulheres que ainda têm de passar pelo constrangimento de vender o seu corpo. Aqui procuro adoptar uma postura mais discreta porque me recordo de invocar este tema, ou algo parecido, e logo vieram grupos de defesa argumentando que é um direito da mulher prostituir-se. Não direi que não. Há muitas que o fazem por opção, mas, no meu entendimento, é algo que não é compatível com a dignidade humana. Nenhuma mulher merece, queira ou não, ter de vender o seu corpo para ganhar dinheiro, sujeitando-se a todos os homens que lhe aparecem, a abusos físicos e sexuais, maltratos, e à discriminação social, que a repressão legal terminou há muito.

      um abraço.

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  12. Gostava de te trazer luz, de te "contrariar",...
    Mas também eu tenho essa imagem da amizade (e quando nos meios pequenos ela se dissipa, o que dizer dos grandes) e do natal... Hoje faltei por na escola ser dia da festa de natal. Não me interessa o ordenado. Importa sim que há 3 anos, por esta altura, a minha avó foi "abençoada" pela doença de Alzheimer, no ano passado, minha mãe com um tumor na glândula salivar e neste... meu pai com um cancro na coluna (mieloma múltiplo). Na escola onde me encontro, por muitos sou discriminado como se portador de uma doença transmissível fosse. Claro que tudo isto nos faz crescer mas... não consigo ouvir músicas de natal, ver suas iluminações e tudo o que vem por acréscimo. De amizade, 1 tem sido a minha luz. Sim, se deus existe ela foi colocada no meu caminho para que não cometesse nenhum erro grave. Por exemplo, houve um dia de diferença entre saber que a minha mãe estava curada do cancro e que o meu pai tinha mieloma. Deixei-me cair... Esta luz, sem nada me dever, pegou nos meus testes de ciências, corrigiu-os e cotou-os enquanto eu, em casa, preparava psicologicamente o meu pai para o que estava para vir. Ou seja, boas almas ainda existem! Mas tão poucas... Se fosse a contar o que me tem tentado fazer ao se aperceberem que tenho estado em baixo... Tal qual como no restante reino animal! :(
    Força. Dessas cartas não as avalies como provas escritas mas etapas de de crescimento/ aprendizagem ;)

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    1. Olá Paulo. O que posso eu escrever?

      Lamento muito tudo aquilo que te está a acontecer. Recordo-me de me falares da doença da tua avó, e bem. Não fazia ideia de que a tua mãe e o teu pai também estavam doentes. Só te posso enviar um abraço de muita força porque não há palavras que consigam levar o conforto suficiente.

      Não fazia ideia de que eras discriminado na escola. Que horror. És professor, têm de te respeitar! Os miúdos, enfim, já sabemos como são ruins quando querem, mas não há qualquer desculpa quanto aos adultos. Não deixes que te rebaixem, nunca.

      Essa tua amizade prova que estou enganado quanto à verdadeira amizade. E ainda bem que assim o é.

      um grande abraço, Paulo.

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  13. É cruel dizeres que a amizade desinteressada está em vias de extinção. Orgulho-me então de fazer parte desse grupo em vias de extinção. E, tal como o Kyle, apesar de com mais uns anos do que ele, espero que consigas redescobrir essa magia, porque eu, com quase 31, redescubro-a todas as manhãs. :D

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    1. É cruel, sim, mas é a realidade. Está em vias de extinção. Dou-te um exemplo muito simples: há décadas, quando alguém tinha um problema, os vizinhos juntavam-se e ajudavam; agora, quando é que isso acontece? É raríssimo. E era comum em Lisboa. Outro exemplo: nas terrinhas, as pessoas tinham por hábito deixar a porta da rua aberta porque jamais alguém assaltaria; será assim actualmente?
      Coelhinho, o ser humano está cada vez pior e a humanidade degrada-se a cada dia. Evoluímos em inúmeros aspectos, respeitando mais a dignidade humana, mas ao mesmo tempo ficamos indiferentes à miséria ao nosso redor. Reconhecemos que todos têm direito à vida para depois deixarmos alguns a morrer de fome e de frio nos bancos dos jardins.

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