31 de agosto de 2013

Quando a noite cai.


    Há dias, o P. falou-me de um espectáculo do Herman, perguntando-me se gostaria de assistir. Visto que sou fã do humorista, e uma vez que nunca o vira ao vivo, aceitei de imediato, não negando que o fiz também para poder desfrutar da sua companhia. Ele é daquelas pessoas que está sempre informada das últimas exposições, das peças de teatro mais recentes, das óperas... O seu lado erudito, contrastando em parte com a maioria dos jovens da nossa geração, faz com que tenhamos algo mais em comum. Este show do Herman teria uma peculiaridade engraçada: realizar-se-ia dentro da estação do metro da Baixa-Chiado, outro dos motivos que me levou a dizer sim. Achei caricato. Humor, estação de metro, situações completamente inusitadas, noite amena de Verão, eu e ele... bons motivos.

   Combinámos às dezanove, à superfície, do lado da Brasileira. Como ainda era bastante cedo, descemos aquelas ruas e ficámos na praça em frente à Faculdade de Belas-Artes. Deu para conversarmos, incluindo sobre as nossas últimas idas à praia e até acerca da refeição a dois, já esta semana.
   Gostei de o ver. Envergava uns calções de linho, de um amarelo claro. O tronco desnudava-se numa t-shirt de fino tecido, quase transparente, deixando sobressair o seu peitoral. Os ténis completavam o conjunto, cor de palha, sóbrios. Dissera-me para lanchar algo consistente. Estaríamos muitas horas à espera, a par da duração do evento. Suspeitando, e com razão, de que não comeria, surpreendeu-me com um pequeno tupperware que transportava no saco que trazia às costas. Nele, uns pastéis de bacalhau deliciosos. Comi um no imediato.

    Aproximando-se a hora, subimos e voltámos à estação. Num canto, um separador demarcava a zona em que o Herman actuaria do corredor que continuaria acessível aos utilizadores do metropolitano. A empresa não fechou aquela saída, pelo contrário; a graça estaria aí. No chão, pequenas almofadas serviriam para que nos sentássemos. Pouco depois da hora marcada para o início (vinte e uma e meia), o Herman chegou cantando uma das músicas do seu repertório. Ao longo de sensivelmente uma hora, deleitou-nos com todo o seu talento. Ironizou com as figuras da nossa televisão, do dito jet set. Personificou várias das suas criações, homenageou o amigo Carlos Paião e interpretou algumas das cantigas que marcam a sua carreira. Senti, apenas, que as piadas se tornam recorrentes. Reconheci várias através de vídeos que vou assistindo no youtube. Olhando em meu redor e para trás, o perímetro estava repleto. Na parede do lado contrário, dezenas de pessoas assistiam, encostadas. Não conseguiram lugar a tempo.

   Terminado, descemos a Rua Augusta em direcção à Praça do Comércio. Não estivesse ele do meu lado e morreria de medo. Nunca tive o hábito de andar pela cidade de noite e, assumidamente, só vejo algum encanto no Chiado desde os últimos meses. Talvez por ser alfacinha, andar por ali ou ir à loja dos doces comprar umas gomas é-me completamente igual.
   Fomos abordados por traficantes várias vezes. Não entendo como é que a polícia permite a venda de estupefacientes assim. É uma situação do conhecimento de todos. Facilmente se resolveria com o destacamento de uma patrulha de alguns policiais por ali.

     A praça peca por iluminação insuficiente. Ainda não tivera a oportunidade de apreciar a estátua de D. José de perto. Assim mesmo, sendo noite, deu para perceber que mantém a cor verde, horrenda. A pedra que a sustém, sim, adquiriu uma brancura apreciável.
    Dirigimo-nos até à parte mais recente da Avenida das Naus, onde descansámos, sentados, apreciando a beleza do rio e das luzes da cidade que se reflectem no seu leito. Num feixe, a luz do Cristo-Rei e as várias, brancas, que compõem a ponte 25 de Abril.
   Esfriou. Prontamente, o P. tirou um pequeno casaco do seu saco e colocou-o sobre as nossas costas. Aproximámo-nos e assim ficámos, juntos, sob o seu resguardo. Trocámos uns beijos, aproveitando a escuridão e o anonimato que ela nos proporcionou, e tivemos absoluta noção de que estávamos a viver dos momentos mais significativos da nossa amizade. Não gosto da palavra romantismo.

    Perto da meia-noite, saímos. Sem nunca me deixar, acompanhou-me até à estação do metro, pedindo que, logo que chegasse, o avisasse por sms. Regressou sozinho até à Praça do Município. Deixara lá a sua bicicleta. Não que me agrade que ande sozinho de noite, todavia, ele está habituado e certamente saberia defender-se melhor do que eu.

     Não se esforçando, fez desta sexta-feira uma das mais especiais que já vivi.

26 de agosto de 2013

D. Luísa de Gusmão.


   D. Luísa de Gusmão não é das mais reconhecidas rainhas portuguesas. Verdadeiramente, o papel destinado às mulheres, no seu tempo, não ia muito além da maternidade. Se necessário, podiam assumir a regência (durante ausência, menoridade ou incapacidade do rei) e, em determinados casos, chegar ao trono por direito próprio (o que só aconteceria, em Portugal, um século e meio mais tarde a D. Luísa, com D. Maria Pia). Pelo contrário, a historiografia portuguesa tem sido unânime ao afirmar que D. Luísa era dotada, numa visão da época algo machista, de um espírito varonil, exercendo um magistério de influência sobre o seu rei e esposo, futuro D. João IV, tendo desempenhado um papel crucial na ascensão ao trono deste.

   Nascida em Huelva, Espanha, a 13 de Outubro de 1613, D. Luísa foi filha de D. Juana Lorenza Gomez de Sandoval y la Cerda e de Juan Manuel Pérez de Gúzman y Silva, pertencendo, deste modo, à alta nobreza espanhola. Verifica-se facilmente na árvore genealógica da futura rainha alguns antepassados com a Casa de Bragança.
   Ainda sob o domínio espanhol, uma união entre a Casa de Bragança e a Casa de Medina Sidónia era essencial para os desígnios de uma maior integração entre os reinos de Portugal e de Espanha. Nesse sentido, o casamento entre D. Luísa de Gusmão e D. João (futuro D. João IV) foi muito bem visto aos olhos de Filipe IV (III de Portugal). Assim, a 19 de Dezembro de 1632, após dispensa papel devido a alguma consanguinidade entre os nubentes, celebrar-se-ia o matrimónio, tornando-se D. Luísa na mais recente duquesa de Bragança. Ambos apenas se veriam a 12 de Janeiro de 1633, na ponte do Caia, dirigindo-se de seguida para a Sé Catedral de Elvas, lugar onde se procedeu à ratificação do casamento.

    Que conste, o rei, como muitos do seu tempo, perdia-se de amores por jovens beldades, não procurando a rainha e divertindo-se em devaneios extraconjugais. No Paço Ducal de Vila Viçosa, onde habitavam à época os nossos duques, respirava-se um clima de grande cultura e musicalidade, além das caçadas e montarias que caracterizavam os gostos pessoais de D. João. O futuro rei dedicava-se com afinco à composição e execução de música sacra, dotando o seu espírito guerreiro e interventivo de uma espiritualidade rara.

   O primeiro herdeiro veria a luz do dia a 8 de Fevereiro de 1634, D. Teodósio, a que se seguiu D. Ana (1635), falecida pouco depois do parto, e D. Manuel (1640), que duraria também poucos dias, entre vários abortos espontâneos. Nem tudo seriam desgostos na vida dos duques: em 1636 nasceria a princesa D. Joana, seguida de D. Catarina (futura Catarina de Bragança, esposa de Carlos II, rainha de Inglaterra). Já rainha de Portugal, em 1643 viria D. Afonso (futuro Afonso VI, malogrado rei de Portugal) e, em 1648, D. Pedro (futuro D. Pedro II, rei de Portugal).




   Voltando atrás, em breve o papel dos duques seria associado à libertação de Portugal do jugo espanhol. Com efeito, o sentimento de subjugação agudizava-se a cada dia. A coroa espanhola continuava a infligir pesados impostos sobre Portugal, o que piorou com a chegada da célebre (por péssimos motivos, diga-se) duquesa de Mântua (vice-rainha de Portugal, em representação de Filipe III) a terras lusas. O descontentamento piorava não só devido à situação precária do reino, mas também graças aos ataques holandeses (Países Baixos então inimigos da Espanha) às possessões coloniais portuguesas na Ásia, África e América, sendo os contingentes militares portugueses mobilizados para suster os ataques às colónias espanholas e não às investidas aos territórios portugueses! Progressivamente, suceder-se-iam motins sobre motins, com uma base social que começava a despertar do torpor e a ver em D. João um possível Libertador da Nação. Se até então apenas o povo exigia uma mudança nos destinos do reino, afastando-se a nobreza e o clero destas manifestações populares, também D. João parecia disposto a apaziguar o que acontecia um pouco por todo o país, recebendo várias mercês de Filipe III por suster acções revoltosas que, de norte a sul, cresciam de importância. Todavia, um imposto de 1637 aumentaria os ânimos, com movimentos que atingiriam o Paço Ducal em Vila Viçosa, inclusive. D. Luísa começou, então, a demonstrar a sua avidez e habilidade políticas... As fontes da época dizem-nos que a sua voz era altamente respeitada pelo esposo, D. João. D. Luísa não era uma qualquer. Com a morte do pai, em 1636, o seu irmão herdou uma vasta fortuna e o ducado de Medina Sidónia, tornando-se um dos homens mais ricos da Andaluzia e da própria Espanha, aumentando a influência de D. Luísa no papel que D. João desempenhava no apaziguar das sublevações.

   Filipe III não era um idiota. Tinha conhecimento do poder indirecto de D. João em Portugal, sabendo-se hoje que o Cardeal Richelieu (famoso valido de Luís XIII de França) apoiaria intransigentemente D. João caso este decidisse tomar as rédeas do poder (combater a Casa de Áustria, dos Filipes, era um desejo secreto da velha França...). Habilmente, Filipe III nomearia D. João como governador-geral das armas de Portugal, estando sob o comando da duquesa de Mântua, vice-rainha, sendo supervisionado directamente de Madrid. Filipe III nunca acreditou numa real ameaça de D. João, apesar de que a crispação entre os portugueses e os seus oficiais crescessem de tom. Já se falava, por cá, em independência...

   O sossego de D. João no Paço de Vila Viçosa duraria pouco. Em meados de 1640, uma insurreição na Catalunha mudaria os destinos do nosso país e dos duques de Bragança. D. João recebeu ordens expressas para se apresentar em Lisboa, de forma a desempenhar com eficácia o seu papel de governador-geral das armas e do reino, mas, certamente já influenciado pela forte pressão que se fazia sentir, conseguiu contornar as ordens do rei. Para os finais de 1640, já podíamos falar de uma teia de conjuras e revoltas. Nestes momentos críticos e decisivos, é mais do que garantido de que D. João escutou a voz prudente da sua sábia esposa, a par de inúmeros conselheiros. A decisão estava tomada. O movimento estalou em Lisboa, contudo, era necessária a adesão de todo o reino. D. João mantinha-se em Vila Viçosa, aguardando os desenvolvimentos dos seus aliados; a duquesa, no Paço Ducal. Assassinado Miguel de Vasconcelos, que ficaria para a História como O Traidor, servidor e aliado da duquesa de Mântua, e detida esta, a 1 de Dezembro de 1640, estava dada a Restauração. Chegada a notícia a Vila Viçosa, o povo correu a beijar a mão do seu novo senhor e rei. D. João partiria, então, para Lisboa, onde seria aclamado como rei de Portugal, o quarto de seu nome, D. João IV, O Restaurador. D. Luísa ficaria em Vila Viçosa. Quando a notícia chegou a Espanha, Filipe IV (não mais III de Portugal...) exigiu a D. Gaspar, irmão de D. Luísa de Gusmão, que destruísse todo e qualquer vestígio da nova rainha de Portugal, banindo-a para todo o sempre de terras espanholas, vista que estava como uma traidora. Filipe IV acreditava que poderia facilmente dominar os revoltosos, subestimando a importância do que se vivia em Portugal e a popularidade de D. João IV, além de que a revolta na Catalunha absorvia-lhe toda a preocupação e dinheiro...

   A 15 de Dezembro, D. João IV era coroado rei de Portugal, enviando uma comitiva que haveria de acompanhar D. Luísa de Gusmão e a sua família para Lisboa, mais concretamente para o Paço da Ribeira (situado no Terreiro do Paço e totalmente destruído cerca de cem anos mais tarde com o terramoto demolidor).

   Adivinhavam-se tempos difíceis. A recém rainha teria de lidar com todas as dificuldades. Em Évora, onde pernoitou na primeira noite como rainha, receberia os populares que corriam para beijar a sua mão. Já na capital, D. Luísa seria entronizada, seguindo para o Paço da Ribeira onde cuidaria da sua Casa, nomeando todos os que merecessem a sua régia confiança. Os novos monarcas imprimiriam ao seu estilo uma sobriedade que nem sempre seria seguida pelos descendentes... Mantiveram a majestade real com muitos dos bens que já dispunham da Casa de Bragança, uma vez que o país estava em contenção devido a esforços de guerra. Relatos da época dão conta de que D. Luísa primava pela austeridade, detestando ditos e mexericos, educando os filhos na piedade cristã. Fisicamente, Avelar Rebelo, que pintaria  um retrato desta rainha, concluir-se-ia pelo seu "porte delicado, mas firme, de rosto sereno, onde olhos amendoados e tristes atraíam a atenção". A rainha era dotada de forte personalidade. À sua aclamação e do seu esposo, seguiram-se algumas deserções e traições (temendo uma reviravolta favorável a Filipe IV). Numa delas, conta-se que a esposa de um dos conspiradores pedia o perdão dos monarcas, pedido improcedente por D. Luísa, confirmando implacavelmente a pena capital como meio de atemorização e repressão.

   Por 1643, a resposta espanhola à restauração portuguesa fez-se sentir. Como tal, tropas do país vizinho entraram obstinadamente em solo português, visando sobretudo o Alentejo (parte mais vulnerável, geograficamente favorável aos espanhóis e, detalhe, onde a família Bragança tinha variadíssimos interesses). Com a partida de El-Rei D. João IV para as hostes militares, receberia D. Luísa a regência do reino das suas mãos. Importantes e decisivas batalhas se travaram. A batalha do Montijo, em 1644, é uma delas, resultando numa vitória incontestável de Portugal. Após esta derrota, os espanhóis fizeram novas incursões no Alentejo. Nestas, diz-se que os valentes e mui nobres estudantes de Coimbra foram defender com o seu sangue e vida a independência de Portugal! Verdade ou não, acreditando eu que sim, é lindo.
   Nos nossos domínios, apesar da paz assinada com os Países Baixos, em 1641, com o Tratado de Haia, persistiam os ataques holandeses às possessões africanas, em Angola, mas intensamente sobre o Brasil, exigindo um reforço aos cofres do reino... Por curiosidade, a paz total só seria conseguida vinte anos mais tarde, em 1661, com um tratado homónimo...

   O ano de 1647 ficaria marcado por batalhas constantes com Espanha e pela febre (provavelmente meningoencefalite) que afectaria o pequeno D. Afonso (futuro Afonso VI). O infante venceu a doença, porém, as sequelas físicas e psíquicas manter-se-iam para sempre...
     D. Teodósio, o herdeiro ao trono, dava sinais de um ímpeto militar fortíssimo, imiscuindo-se em assuntos do reino, o que agradaria a D. João VI e a sua mãe, D. Luísa, com reservas, porque sabe-se que D. Luísa terá tentado refrear os ânimos do seu filho primogénito.

    Um infortúnio abater-se-ia sobre a nossa família real. Em 1653, para desgosto de D. Luísa e de El-Rei, D. Teodósio falece de tuberculose, aos dezanove anos, passando o incapaz D. Afonso para a primeira linha da sucessão... No mesmo ano, D. Joana, a segunda filha dos nossos monarcas, morreria, aumentando a infelicidade de D. Luísa. O semblante triste da rainha acompanhá-la-ia por anos, pois, em 1656, no dia 6 de Novembro, D. João IV partiria vítima de complicações renais.
    Pelo falecimento de D. João IV e pela menoridade do então herdeiro, D. Afonso, D. Luísa foi proclamada regente de Portugal e tutora dos seus filhos.

   Apesar das preces, D. Luísa mantinha-se receosa devido ao facto das sequelas físicas e psíquicas de D. Afonso não atenuarem com os anos. Efectivamente, D. Afonso tinha lesões ao nível da fala e da locomoção, a par de revelar um espírito inquieto e desrespeitoso para com os seus mestres. No dia 15 de Novembro de 1656, D. Afonso VI foi jurado rei de Portugal, mantendo-se a regência da rainha até este atingir os catorze anos. D. Luísa pôde demonstrar toda a sua habilidade política, escolhendo quatro ministros para a auxiliarem na governação e procurando defender o reino dos ataques espanhóis. Há um episódio que marcaria este ocaso de D. Luísa. Consta-se que, além de pensos feitos pelas mãos das suas aias e criadas, a própria rainha e regente enviava cargas de tabaco para as tropas, o que lhe granjeou um carinho e respeito enormes, sendo apelidada carinhosamente de rainha-mãe.
   Fala-se de uma possível presença de Filipe IV à frente das tropas que conquistariam Portugal, atemorizando todos, mas D. Luísa manteve a firmeza, resistindo ao pânico e ordenando o reforço da armada costeira, o dispositivo que defendia a capital e aumentando as tropas que defendiam o Alentejo.
   D. Afonso completaria catorze, quinze anos, mas a regência de D. Luísa continuaria pela incapacidade manifesta do rei, mais preocupado em acompanhar António Conti, uma das suas paixões secretas, do que em assumir os destinos do país. Este amor proibido do jovem rei pelo genovês traria muitas amarguras a D. Luísa.

     Novamente nos palcos de guerra, D. Luísa ordenaria uma ofensiva por terras espanholas, fracassada devido à resistência castelhana e à peste que grassava nas tropas portuguesas, provocando o recuo para Elvas, cidade onde se deu a importante Batalha das Linhas de Elvas, em 1659, resultando numa esmagadora vitória portuguesa, naquele que foi um dos confrontos mais decisivos na Guerra da Restauração.
      Procurando o apoio da Inglaterra, D. Luísa, em importantes manobras diplomáticas, ofereceu a mão de sua filha, D. Catarina, a Carlos II de Inglaterra, tentando unir a Casa de Bragança à dinastia Stuart. As condições eram bem claras: além do dote, Portugal teria de entregar as praças de Tânger e Bombaim. Em troca, Inglaterra daria o seu apoio militar a Portugal. Num jogo de troca de favores, a aceitação foi imediata. Curiosamente, este enlace foi visto com tal perigo pela Espanha, França, Holanda e Dinamarca, que estes quatro países criaram um consórcio que pagaria mais de dois milhões de cruzados a qualquer outra candidata, excedendo a oferta lusa. A Carlos II chegaram informações de que Portugal não podia cumprir com o compromisso e de que a própria D. Catarina  era feia e, imagine-se, estéril. Polémicas à parte, dar-se-ia o tão esperado casamento a 10 de Maio de 1661.
     Para resolver os problemas de solvência, D. Luísa não hesitou em lançar impopulares impostos. A aliança com a Inglaterra possibilitaria a paz com a Holanda, conseguida no mesmo ano.

     Já em 1661, mas sobretudo em 1662, D. Luísa demonstra o desejo de abandonar a regência que assumira há tanto anos, advertindo D. Afonso VI no sentido de se comportar adequadamente como príncipe e rei de Portugal. Mas, apesar dos seus esforços, todos conheciam da lascívia e impotência do rei (sexual, diga-se), a par da indisciplina e irreverência, agravadas pelas sequelas físicas de que padecia. Ao mesmo tempo, D. Pedro (futuro Pedro II) era jurado príncipe herdeiro, assegurando-se a continuidade da dinastia de Bragança no poder, não fosse D. Afonso VI incapaz de gerar um herdeiro (o que nunca aconteceu). A 21 de Junho do corrente ano, D. Afonso VI reclama, por fim, o trono, a que prontamente D. Luísa entrega, resguardando-se numa quinta nos seus últimos dias, onde edificaria um convento. Não é de duvidar que, mesmo afastada, D. Luísa continuasse preocupada com os seus filhos, Afonso e Pedro, sabendo da incapacidade do primeiro, não estando sequer casado. Manteria contacto por carta com a sua filha, D. Catarina, diminuindo a dor da ausência e da saudade, ajudando-a a suportar a frieza da corte inglesa.
      D. Luísa faleceria no dia 27 de Fevereiro de 1666, vítima de doença pulmonar.

    Para a História ficaria conhecida como a mulher que, confrontada com as hesitações do seu marido em encabeçar as lutas contra Filipe IV, referiu: "antes rainha por um dia do que duquesa por uma vida".

      A todos peço desculpa pela extensão desta mini biografia, assegurando que haveria muito mais a dizer...

20 de agosto de 2013

Noite Acesa.


   Aceitando um convite do P., sábado à noite fomos ao teatro. Diferentemente de algumas idas ao cinema, foi o nosso primeiro espectáculo juntos. A peça em si pouco importaria, até porque teatro é teatro, não duvidando do empenho dos actores e, claro está, das preferências do P.

   Arranjei-me por volta das 19h. Não quis estar demasiadamente formal, mas a temperatura fresca e amena da noite propiciava uma indumentária mais cuidada (camisa e jeans de corte elegante). Quando cheguei ao Teatro Armando Cortez, o P. estava ao portão, de telemóvel na mão, provavelmente preparando-se para me enviar uma sms. À saída do metro, já o vira dentro / fora numa azáfama. Sem motivos para tal. Primo pela pontualidade e à hora combinada estava lá. Creio que algum nervosismo apoderara-se de si.
  Levantou os ingressos e aguardámos num muro de betão, rasteiro, no pátio principal, ligeiramente afastados dos demais. Elogiou-me a roupa e o sorriso. Sentira-me feliz. Retribuí as palavras honestamente, afinal, o rapaz desportista deu lugar a um homenzinho bem apresentável, de camisa clara, clássica. Distingui-lhe um novo aroma.

   Entrámos atrás dos restantes espectadores. Os bilhetes colocavam-nos indiscretamente à frente, pedindo, então, se podíamos ocupar uma fila traseira, visto que a sala estava a meio. Não tardou a que a peça começasse. Assistimos à Broadway Baby, um espectáculo de Henrique Feist, acompanhado ao piano pelo irmão, Nuno Feist. Durante mais de uma hora, perto de duas, o duo leva-nos de forma muito bem conseguida a uma retrospectiva pela história dos musicais da Broadway, desde o seu início aos tempos mais recentes, não esquecendo os grandes clássicos do teatro musical norte-americano. Henrique Feist encarna as personagens brilhantemente, cantando e enchendo o espaço de longos e ruidosos aplausos. Há quem grite e se levante. Ovações merecidas. Como pano de fundo, o toque doce do piano de Nuno. Uma conjugação ímpar.

   Nós dois. O sentimento que nos invadia era visível a ambos. Trocámos olhares, mantendo a postura. Quando Henrique Feist passa pelo musical Cats, interpretando o tema Memory, olhei subitamente para o P. num acto espontâneo e natural. Sem pretensiosismo algum, tive absoluta noção da beleza daquele instante. Pelo menos assim o sentimos.

    Saímos muito perto da meia-noite. Caminhámos em passo lento até ao metropolitano. Deixámos passar um, dois comboios, conversando como se o tempo parasse. Não parou, que o letreiro luminoso tratava de me recordar do avançar das horas. Aproveitando uns minutos em que estávamos sozinhos na estação, trocámos um beijo e agradecemo-nos mutuamente pela noite.

     Broadway Baby está em exibição no Teatro Armando Cortez, na Casa do Artista, às sextas e sábados pelas 22h, até dia 14 de Setembro.

16 de agosto de 2013

Momentos.


    Na sexta-feira passada, eu e o P. fomos à praia. Marcámos para de manhã bem cedinho, o ideal. Cheguei primeiro, uns minutos. Entretanto, ele aparece-me por trás, de pólo amarelo e mochila às costas, calções e ténis. A sair da mochila, as raquetes de badminton
   Esteve um dia maravilhoso, o tal em que se esperavam temperaturas bem acima dos trinta graus. A primeira vez que estivemos juntos na praia. Bem como eu, ele prefere passar a maior parte do tempo na água. Foi muito engraçado. O mar estava fortíssimo e, por diversas vezes, fomos literalmente empurrados de encontro ao solo. Por volta das onze e pouco, saímos para evitar a hora de maior calor, resguardando-nos num barzinho de praia, muito simpático por sinal, onde almoçámos qualquer coisa rápida. O P. achou imensa piada ao molde do meu cabelo quando seca com a água do mar. O sal confere-lhe formatos caricatos, ficando rígido. Parece um produto que eu adquiro no cabeleireiro que a mãe frequenta.
   Voltámos à praia por volta das quinze e pouco, lanchámos, voltámos à água e brincámos, brincámos muito. Pratiquei natação durante uns anos, como creio que disse por aqui, contudo, o P. nada bem melhor do que eu. Dá aqueles mergulhos à macho man que eu apenas apreciei de longe. Assim, quando alguma onda me derrubava, deitava-me imediatamente a mão, puxando-me à tona, assegurando-se de que estava bem. Se qualquer um fica aflito quando procura emergir e não consegue, no meu caso tudo se agrava devido à asma. Fico mesmo aflito. Ele também se certificou de que tinha bastante protector solar nas costas e no resto do corpo. Às vezes olha para mim mais como um irmão menor do que como um amigo. Não que me queixe, adoro sentir-me protegido e ele próprio já referiu que sabe que sou ainda muito infantil. Diz, frequentemente, que sou o paradoxo do intelecto desenvolvido num cérebro de miúdo. A avó diz algo parecido... Não sei se é bom, se mau...
   Acabámos por não jogar badminton, vencidos pelo cansaço da praia, mas falámos bastante, além de toda a parte lúdica. Regressámos perto das dezoito, ouvindo a Dunas dos GNR no meu telemóvel, cada um com o seu auricular. Curiosamente, no lanche, roemos maçãs e selámos alguns segredos. Só não bebemos dos lábios refrescos gelados porque não pudemos, nem saltámos rochedos.




   Nesta terça, voltámos à Tapada das Necessidades, lugar já devidamente abordado por aqui há uns dias. Fizemos um piquenique. Mal me recordo do meu último piquenique. Provavelmente algum quando ia de férias, em Julho, pelo colégio. O P., talvez por ter crescido cedo demais, é muito independente e desembaraçado na cozinha, provendo, sempre que necessário, à sua alimentação. Eu, pelo contrário, não sei fazer nada. Nunca precisei, nunca me ensinaram e da primeira e única vez que mexi num fogão ia deitando fogo à casa de praia (episódio das férias de 2010, em post publicado aqui no blogue do qual não me apeteceu ir à procura do link). Recordo-me das críticas que me fizeram na altura. Enfim, em casa nunca tivemos fogão e sim placa eléctrica. Tenho desculpa.
    Prometi ao P. de que, pelo menos, faria uma salada fria pelas minhas próprias mãos. Assim foi. Juntei alface, feijão-frade, atum, tomate, cebola, milho, ovo cozido, acrescentando azeite e vinagre balsâmico e pronto (maionese poderia deteriorar-se com o calor). O mais elaborado que consegui por mim mesmo. O P. levou uma salada um pouco mais completa, com pepino, tomate-cereja, peru, frango, laranja, uma ervas quaisquer e, atenção ao pormenor!, levou um tupperware pequenino, para mim, com mais peru porque sabe que gosto. Não é um querido? É impossível ficar-se indiferente. Sim, sim, foi um piquenique romântico. Depois, à tarde, jogámos um pouco de badminton (onde fiz figuras menos tristes - a propósito, ele adora jogar àquilo!), passeámos mais por entre a vegetação, namorámos... Houve momentos peculiares: primeiro, teve de ser ele a despejar o lixo porque eu estava todo atrapalhado. Sacudiu a toalha de piquenique que levei, arrumou os talheres, os pratos e os copos (que ele levou), limpando-os, etc. O que vale é que é um rapaz prático. Segundo, o lavatório do banheiro masculino não tinha sabonete líquido. Ora, tive de ir ao banheiro feminino para lavar as mãos. Já estava a ficar nervoso de não ter um liquidozinho! Ele é mais desenrascado e tem uma paciência... De tardinha, ficámos juntos, falámos, bom, aqueles momentos ternurentos... mas tive de abrandar porque ele ficou, digamos, em ponto de ebulição, e comunicou-mo ao ouvido com um: "Vê como me deixas", apontando na direcção. LOL Fiquei desconfortável e continuámos a caminhar.




   Hoje, de manhã, fomos ao Arco da Rua Augusta. Melhor, ao cimo do Arco. Abriu há dias. É giríssimo. A vista sobre o Tejo, pela frente, e sobre Lisboa, pelos lados e por trás, é ma-ra-vi-lho-sa. Têm de ir. Por uns míseros dois euros e meio, indo de manhã, pode-se ficar o tempo que se quiser. Bom, eles dizem que no máximo são uns vinte minutos; nós ficámos mais de meia-hora. Apanha-se um elevador até ao segundo andar, sobe-se um primeiro lance de escadinhas, de seguida um segundo lance bem mais íngreme, em caracol, daquelas bem antigas de degrau estreito, até que se chega lá acima, onde se pode desfrutar de uma vista fenomenal. Cá em baixo, há o mecanismo do relógio, que podemos analisar e fotografar, bem como um painel elucidativo onde consta informação sobre a zona do Terreiro e, mais concretamente, sobre o Arco (eu já conhecia a história). Após sairmos, passeámos por aquela zona da cidade, entrámos em algumas igrejas (ele adora arte sacra e igrejas, apesar de não ser religioso). Descansámos um pouco no miradouro de Alcântara e, à frente, no jardim do Príncipe Real. Apanhei o metro para casa e ele seguiu caminho de bicicleta (adora andar de bicicleta; eu nunca andei!).
   Amanhã, vamos ao teatro. Não sei bem a que peça (convite seu), embora depois relate como foi.




   Tenho passado dias interessantes ao seu lado. Além de me proteger, brinca imenso e trata-me bem. A par disso, mexe comigo e é meu amigo. É quanto baste.

12 de agosto de 2013

Olivença e Gibraltar.


   Portugal e Espanha. Eternos vizinhos, inimigos em tempos idos. Querelas que a razão e o avanço civilizacional trataram de atenuar. Os ressentimentos, esses, manter-se-ão por séculos. Há questões pendentes que vão muito para além de nacionalismos. Olivença é um desses engulhos nas relações bilaterais entre as duas pátrias que sempre viveram de costas voltadas. De hermanas pouco têm, a par de um passado longínquo comum, visível no surgimento de todas as línguas ibéricas (com a excepção notável do euskera, de origem incerta), na ocupação romana e árabe, na respectivas reconquistas cristãs, na formação dos vários reinos peninsulares, nas epopeias marítimas, nos absolutismos régios, nas revoluções industriais tardias, nos regimes ditatoriais e até na integração europeia.

    Olivença é território português desde o Tratado de Alcanizes, de 1297, celebrado entre o rei D. Dinis e Fernando IV de Castela-Leão. Nos inícios do século XIX, por ocasião da Guerra das Laranjas despoletada pelos desejos imperialistas de Napoleão Bonaparte, deu-se a invasão de Portugal por tropas espanholas (aliadas da França). Olivença e outras praças portuguesas renderam-se imediatamente; outra atitude não seria de esperar perante uma invasão fortíssima e desproporcional. Portugal foi coagido a aceitar a paz, assinando o célebre Tratado de Badajoz, de 1801, onde, além de diversas e ilegítimas exigências, reconhecia a ocupação, a título de conquista, de Olivença pela Espanha.
    A acrescentar à da falta de liberdade e da coacção com as quais Portugal celebrou aquele Tratado, o mesmo estipulava que qualquer violação da paz conduziria à sua nulidade, o que manifestamente aconteceu com a série de invasões do território português perpetradas por forças francesas e espanholas a partir de 1807 (Guerra Peninsular). Houve também um incumprimento de prazo para ratificação por parte da França, o que está relacionado com princípios de direito internacional público; bastaria, por si, para a nulidade incondicional do Tratado, a par, claro está, da falta de espontânea vontade de uma das partes contratantes (Portugal).

     O fim da hegemonia napoleónica, com a rendição de Bonaparte, equivaleria a uma reviravolta no quadro político surgido com o Tratado de Badajoz, considerado nulo à luz do Tratado de Paris, de 1814, e, mais expressamente, no não menos famoso Congresso de Viena. Olivença seria restituída a Portugal sem mais. Espanha ratificou as decisões saídas do Congresso. A restituição é que permanece por efectuar, volvidos quase 200 anos! Vê-se, portanto, que Espanha é um país que honra a sua palavra e os seus compromissos!


    Gibraltar foi cedido ao Reino Unido através do Tratado de Ultrecht, de 1713, que se seguiu ao conflito despoletado pela sucessão ao trono espanhol. Que conste, o Tratado de Ultrecht é perfeitamente válido e não está ferido de nulidade como o nosso infeliz Tratado de Badajoz (ou infelizes nós, que o assinámos com a espada apontada às costas!). Como pagamento de guerra, o Reino Unido ficou com Gibraltar. Acontece. Espanha assinou o Tratado dispondo do seu livre arbítrio (aliás, não parece que invoque a invalidade do mesmo como justificação às suas pretensões sobre Gibraltar...). Sendo território legitimamente do Reino Unido, poderemos, se muito, contestar a soberania inglesa argumentando que muitos séculos se passaram e que há um contínuo territorial que une Gibraltar ao resto do território espanhol (nada disto me parece credível, mas admito que sim). Os gibraltinos consideram-se ingleses e já o demonstraram inequivocamente. Acredito que os oliventinos também se considerem espanhóis. Povo algum resistiria à opressão franquista, verdadeiro genocídio cultural, linguístico e histórico. A propósito, creio que mais povos da manta de retalhos 'Espanha' se queixarão do mesmo. Digo eu... Nunca soube de algo semelhante infligido aos gibraltinos pelo Reino Unido. Bom, comparar Espanha com a eterna Rainha dos Mares, que lhe retirou o status e a hegemonia desde os tempos da Armada Invencível, seria uma ofensa para os súbditos de Sua Majestade britânica.

      Deixo Ceuta, Melilla e as restantes ilhotas marroquinas para outra ocasião....

     Voltando a Portugal - que verdadeiramente é o que me interessa - não deixa de ter responsabilidades por este impasse. Espanha, que agora resolveu colocar controlos fronteiriços em Gibraltar, nunca renunciou voluntária ou silenciosamente às suas pretensões sobre o rochedo. De que adianta Olivença pertencer-nos de iure se, de facto, está sob uma custódia espanhola? Nutro uma certa admiração pelo povo espanhol em recuperar uma parcela de território que considera sua. Tivesse Portugal essa determinação e a questão oliventina poderia estar resolvida há décadas. Todas as entidades internacionais, incluindo a CIA, consideram Olivença como um território sob disputa, ao género de Caxemira, das Falkland e de um sem número de outros locais espalhados pelo planeta. Acontece que este país tem um deficit de vontade, de astúcia, eu diria até de coragem. Não reconhece o domínio espanhol, mas não o refuta. Acrescenta à Constituição um artigo 5º nº 1 que enuncia expressamente que, a par da Madeira e dos Açores, corresponde a Portugal "o território historicamente definido no continente europeu", numa clara alfinetada a Espanha. Participa financeiramente na construção de pontes sobre o Guadiana, omite Espanha em planos de impacto ambiental, não coloca sinalização comunitária de entrada em solo português, todavia, não avança com uma queixa formal nas Nações Unidas, onde de direito.

      Enquanto português, crítico acérrimo do meu país, não deixo de sentir alguma vergonha. Os egrégios avós dos quais nos fala o hino sentir-se-iam, no mínimo, desrespeitados. E se o tempo do escudo e da espada já passou, há outras formas, jurídicas, de se lutar pelo que queremos, com um vigor extraordinário se a razão estiver do nosso lado, como sempre esteve, está e estará.

7 de agosto de 2013

Tapada das Necessidades.


   Continuando o roteiro por espaços verdes da cidade, combinei com um amigo irmos à Tapada das Necessidades, em Alcântara. Coincidentemente, a ideia partiu dele, embora um comentário ao texto anterior contivesse essa sugestão. É uma zona que muito me agrada. Saímos no Rato e fomos percorrendo o caminho, a pé, até chegarmos ao nosso destino. Passámos pelo jardim da Estrela (que várias memórias me traz quando, em pequenino, passeava com a avó) e pela Basílica (onde entrámos), durante o percurso.

    É, de facto, uma pena que a linha do metropolitano não abranja esta parte da capital ou, numa outra perspectiva, como refere o meu amigo, é uma bênção para aqueles bairros que o metro não chegue lá. Quanto mais pessoas, mais degradação e confusão. Não deixa de ter razão. A minha opinião é baseada nunca preguicite aguda em andar e, claro está, no comodismo. Como a manhã esteve fresca e agradável, não foi cansativo.

   O jardim é gratuito. Tem horário de abertura e de encerramento. Situa-se ao lado do Palácio das Necessidades (onde funciona o Ministério dos Negócios Estrangeiros). Não admira que fosse uma das zonas mais apreciadas pela monarquia portuguesa (há relatos que nos remontam aos tempos de D. João V): é uma pequena delícia escondida. Estava quase vazio, com a excepção de um casal de namorados da nossa idade e de alguns trabalhadores que restauravam uma estufa. É amplo e tem uma variedade apreciável de plantas, flores e árvores. Bastantes cactos. O meu amigo (doravante, P.) disse-me que os cactos, antes de morrerem, libertam uma espécie de ramo alto, com flor, que anuncia a sua morte. Sorri. Estamos sempre a aprender. Não sabia.

     Na realidade, jardim não será a designação correcta: trata-se de uma tapada: extensa, coberta de caminhos por entre a vegetação e com estradas de terra batida. Vimos mesas de madeira para piqueniques e ficámos com pena, afinal, teria sido interessante. O P. levou as raquetes de badminton para jogarmos. Melhor, para ele ensinar-me (ou tentar...) a jogar. Então, dirigimo-nos a um campo verde onde um pai jogava à bola com o filho. Foi hilariante. Sempre que tentava lançar a peteca, ou a arremessava em baixa altitude ou de forma errada. Demorou um pouco até começar a fazê-lo minimamente bem. O P. apenas ria e fazia-me rir. Mandava-me correr para conseguir alcançar a peteca que acabara de lançar. Ora, eu sou um asno a correr e estava de skinny jeans (o que não é propriamente confortável). Ele é todo desportista, de calções e ténis. É evidente que teve em consideração a minha asma, perguntando-me se estava bem ao mínimo arfar. Não demorou muito para que terminássemos sentados sobre a relva, partilhando a garrafa de água, entre gargalhadas espontâneas. Ainda passámos por alguns laguinhos e fontes, com patos. Mais uma vez, vieram-me à memória os patinhos do jardim da Estrela.




     O P. é diferente de mim. Somos opostos; completamo-nos. O beijo na Gulbenkian surgiu casualmente durante as conversas que fomos tendo. Nenhum quer uma relação ou, pelo menos, não é algo que nos suscite interesse. A sua maturidade dá-me segurança. Explicou-me o que podemos ganhar mantendo uma amizade sólida, estando frequentemente juntos sem as amarras de um namoro. Não se trata de libertinagem. Não andamos com outras pessoas, mas um relacionamento implica tempo e um cuidado que nenhum quer. Falou-me em 'amigos com benefícios'. Concordei com o que me apresentou e com os seus argumentos. Não fechámos nenhuma porta, não sabemos o que o futuro nos trará, nem travaremos seja o que for. Somos amigos e assim ficaremos. Selámos a conversa com um abraço e com um beijo. Não um ósculo de cinema, à boa moda de Hollywood; algo sentido e nosso.

        Caminhámos de mãos dadas pelo resto do passeio.

2 de agosto de 2013

Passeios.


     Na terça e hoje, de manhã, fui passear com uns amigos por alguns jardins da cidade. Já os conhecia, é certo, embora não os visitasse há anos. Gosto de jardins. Gosto do contacto com a pouca natureza que uma cidade, para mais capital de país, permite ter. Lisboa é pequena comparativamente a outras metrópoles europeias, porém, é bastante poluída e o tráfego urbano é intenso. A cidade não tem os espaços verdes que deveria, exigindo-se mais de uma urbe de primeiríssimo mundo.

    Estivemos, na terça, no Jardim Botânico da Faculdade de Ciências de Lisboa. É um lugar agradável, bem cuidado. Tem trilhos cobertos por árvores altas, produzindo-se uma sombra confortante (deliciosa em dias quentes e abafados como aqueles que vivemos). A brisa fresca faz com que nos queiramos sentar a apreciar o chilrear dos pequenos pássaros que povoam o jardim. Há recantos meio que ignorados, mas especiais, incluindo um laguinho onde, segundo me disseram, há rãs (pena não ter visto nenhuma). Fiquei impressionado com a parte dos cactos e com as palmeiras gigantes que se erguem num dos caminhos principais, tudo devidamente catalogado para que leigos, como eu, possam desfrutar em pleno daquelas belezas naturais. Não só é interessante apreciar como retirar alguns conhecimentos de botânica. Não poderíamos, claro está, ignorar o borboletário. Tem espécimes incríveis. Alguns exemplares raros. Lepidópteros de várias cores e tamanhos. Houve um que não parava de voar em torno de mim, vermelho e amarelo, lindíssimo. Também pude ver uma borboleta amarela-clara, enorme, que sobrevoava o tecto do recinto fechado. Vimos os ovos e as larvas a movimentarem-se nas plantas. Já fora, observámos aracnídeos em redomas de vidro. Um grupo de escuteiros, turistas, estava visivelmente encantado. De faces rubras, as moças, sob o sol escaldante de uma cidade do sul da Europa. Sem tom crítico, é toda uma outra educação.

    Hoje, fui ao Parque Monteiro-Mor, no Lumiar. Gostei bastante. Situado em redor do palácio do mesmo nome, pareceu-me bem mais extenso (e desértico) do que o anterior. Ah, é óptimo para namorar sem ser incomodado. Tem algumas fontes e bastantes bancos, alguns em tronco de árvore, onde se passam bons momento de repouso. É recomendável levar calçado confortável porque, realmente, tem caminhos sinuosos, e os hectares da propriedade propiciam a que se ande e ande (falo por experiência; penei dos pés). Ao longo do parque, há pequenos riachos e pontes para atravessarmos até à outra margem, tudo envolto num verde luzidio e fresco. Uma pequena maravilha às portas de Lisboa, meio negligenciada, diga-se. De salutar a quantidade significativa de jardineiros que zelavam pela limpeza e manutenção. São locais vulneráveis à acção humana, necessitando de cuidados constantes. A natureza é tão frágil, agravando-se ao estar rodeada de humanidade por todos os lados. Natureza à qual pertencemos. De referir que ambos os parques tinham imensas flores, dando cor e alegria, perfumando o ar. No passeio de hoje vi brincos-de-princesa, entre outras de que não me recordo do nome (pese embora tivessem a plaquinha, mea culpa).

   O preço de qualquer um dos dois é simbólico: dois euros. Sim, convém referir que não é gratuito. Compreende-se. Há salários a pagar, dos trabalhadores, bem como todas as despesas inerentes. Vale a pena, se continuarem a manter a qualidade.

      A vontade é a de ficar por lá todo o dia. E ainda há quem perca tempo em centros comerciais, tss tss.