29 de março de 2013

Quem tem medo de Sócrates?


    Assim como muitos, eu também assisti à entrevista a José Sócrates, que precederá a um espaço de comentário político semanal, na RTP1, do antigo Primeiro-Ministro. Vi a entrevista com a máxima atenção, impulsionado pela curiosidade, mas também pelo interesse em saber a perspectiva do homem que conduziu os destinos do país no período que mediou 2005 e 2011. Partilhando um pouco do que disse, era chegada a altura de conhecer as suas motivações e razões, depois de anos de uma propaganda unilateral.

     Não tenho cor política. Não gosto de rótulos, nem defendo partidos: defendo ideais e projectos, venham de onde vierem. As inclinações virão inerentemente no seguimento dessas ideias. Sendo assim, simpatizei com Sócrates pela sua visão, pelo seu empenho na luta contra o défice educacional e tecnológico, pelas suas tentativas em criar um país mais justo, igualitário. Que não se duvide de que se trata de um indivíduo de convicções fortes, goste-se ou não delas, defendendo com veemência aquilo em que acredita.
     Saído a meio de uma crise económica mundial, que todos conhecemos, acusam-no de responsabilidades pelo estado em que Portugal se encontra, colocando nas mãos de um único homem a culpa de séculos de atraso vindos desde a Revolução Industrial tardia, passando por um regime ultra conservador corporativista e avesso à modernidade e à iniciativa individual. Após um período conturbado nos anos 70 do século XX, que responsabilidades imputar ao Governo PSD que esteve no poder de 1985 a 1995, época dourada dos fundos estruturais da CEE/UE? E após? A sensatez de Guterres, não avaliando se desinteressada ou não, não poderia ser mais oportuna.

     Sócrates regressou e fizeram do seu retorno um enorme espectáculo, pejado de acusações. A sua contratação por um órgão de Comunicação Social público, mais do que normal, é saudável. Há espaço para mais palavra, mais opinião, entre uma retórica a que nos habituámos destilada pelos mesmos rostos, anos a fio. A verdade não é exclusiva de ninguém e a sua posse intransigente pode dar maus resultados.

      A democracia em que vivemos é relativamente recente e os trejeitos autoritários persistem, motivados pelo medo do contraditório. No meio de convulsões sociais explosivas, quem tem medo de José Sócrates?

27 de março de 2013

Primavera.


    Em garoto, Março simbolizava o início da época amena, na qual as pequenas papoilas, que recolhia de um amontoado de terra que se formava em frente à porta do colégio, começavam a brotar, ameaçadas pelos ténis gastos dos meninos que corriam atrás da bola de futebol que teimava em escapar-lhes dos pés. 
     Era comum enrolarmos pedaços minúsculos de papel de seda, coloridos, para depois os colarmos com todo o cuidado nos contornos desenhados, com moldes, de árvores, arbustos ou nuvens. Nessa altura, ninguém me havia dito que o céu era azul e as nuvens brancas, portanto, mantinha o toque pessoal de inverter as cores da Natureza, deixando as nuvens de azul clarinho, do mais claro que podia encontrar entre as várias folhas multicores que os pais me compravam.

     No Dia da Água, a visita de estudo ao Museu da Água, convertida que estava em passeio, era mais do que garantida. Lá saíamos, de chapéuzinhos nas cabeças pequenas e desprotegidas, "vermelhos para as meninas e azuis para os meninos", bem sexistas, como a moral e os bons costumes mandam. A sua voz ecoa na minha memória como um disco de vinil riscado pela agulha da grafonola. Vejo a educadora a distribuí-los, colocando-os sobre nós, passando o elástico por baixo do nosso queixo.

    - Dá-me o teu chapéu, trocas?

    - Não gosto de azul! - retorquia, decidida.

    - Dá-me!!! - gritava, enquanto tentava lho tirar.

    - Oh dona Elizabeth, o Mark está a tirar-me o chapéu (voz chorosa)!

   
      Hoje, deixá-lo-ia ficar. O bibe até era azul...

20 de março de 2013

Quotidiano.


     Desde que o semestre começou, por meados de Fevereiro, voltei à velha rotina de sempre: acompanhar as aulas, fazer resumos das matérias e, sobretudo, dos livros de milhares de páginas que tenho de ler. Exemplificando, digamos que ando verdadeiramente metido entre crimes, dolo, negligência e outros conceitos que tais, que tantas dores de cabeça me dão. A par disso, há professores que adoram complicar, esquecendo-se de que não temos apenas uma disciplina por semestre, sendo que o dia continua a ter vinte e quatro horas. Pergunto-me, por vezes, como é que faziam... Anular-se-iam por completo, não se alimentando devidamente, não dormindo, não olhando o céu, não bebendo um sumo fresco numa esplanada? Coloco estas hipóteses de forma muito contundente, considerando que um assistente nos disse no início do 1º ano:

   " Congelem as vossas vidas por quatro anos. "

     Eu não consigo congelar a minha vida nem por um dia. Não sou um autómato programado para absorver tudo, cada palavra, cada linha de orientação e doutrina defendidas por esta ou por aquela alta individualidade, creditada por anos de experiência e pareceres técnico-jurídicos. Sou mais normal do que isso. Porém, a realidade é transparente como a água: se me atraso na matéria, forma-se uma espécie de avalanche que, tarde ou cedo, cairá sobre a minha cabeça. Nas frequências do semestre passado pude comprovar a teoria: olhava para o enunciado e não conseguia (em casos pontuais, claro, mal de mim!) decifrar de imediato o que se pretendia, ou seja, algo estava a correr mal. A sensação de insegurança é uma forte inimiga que, apoderando-se de mim, toma as rédeas, o controlo. Comprometi-me de que lutaria contra isso, tentando antever o que os professores poderiam esperar da nossa parte. Coloquei-me nos seus lugares e pensei acerca do que poderiam querer de um aluno, começando pelo elementar e subindo progressivamente. É o que tenho feito ultimamente.
   
     A par do que referi, em jeito de curiosidade, o R. é meu colega novamente devido à alteração da disciplina optativa que leva à mudança de turma, na maioria dos casos. Tenho evitado sentar-me ao seu lado, mas ontem não consegui evitar visto todos os lugares estarem preenchidos. Foi incómodo, no mínimo. Não que me diga seja o que for, conquanto é impossível passar um pano por tudo e tratá-lo como um mero desconhecido. Pelo menos eu não costumo anular as pessoas assim, a menos que me dêem motivos para tal.

       Anseio pelo final de Maio.

13 de março de 2013

Dunas


     Desde sempre gostei de músicas antigas, partilhando da ideia generalizada de que o que se produz na área musical, actualmente, deixa muito a desejar. Imbuído nesse espírito, procurei, ontem, pelo single Dunas dos GNR, grupo simpático e que, graças ao seu talento, já me provocou vários sorrisos no rosto. Deparei-me, então, com este videoclip de 1985, do mesmo single, que aqui em baixo reproduzo.

    À primeira vista parecia-me tratar-se de um casal heterossexual, quando - para minha estupefacção - apercebo-me de que é um casal homossexual, adolescente, algo que jamais poderia equacionar atendendo à época e a um Portugal arcaico prestes a aderir à CEE. Reportando-me de novo aos nossos tempos, creio que até hoje seria difícil encontrar uma banda disposta a enfrentar os preconceitos ainda sedimentados neste país.

    O vídeo é muito erotizado e, confesso, tive dificuldade em localizar o papel de Rui Reininho no enredo, insípido, claro, mas cuja inovação ofusca por completo a eventual parca qualidade. Se já gostava dos GNR, não dissimularei uma admiração que brotou do nada. Admiro-os por terem ousado desta forma e, talvez por isso mesmo, condenado o vídeo a um papel mais do que secundário - eu não o conhecia e tenho a certeza de que não será conhecido por aí além... A música, essa sim, é dos seus sucessos mais significativos, a qual aprecio imenso.





7 de março de 2013

Exposição 360º Ciência Descoberta


    Soube que a Fundação Gulbenkian inaugurou uma exposição sobre os Descobrimentos, nomeadamente ibéricos; na minha perspectiva, os mais interessantes, uma vez que portugueses e espanhóis foram os primeiros a ousar enfrentar os mares " nunca antes navegados ", lançando-se numa aventura sem igual, séculos antes do Homem partir em busca do espaço e da Lua.

   Os meus olhos brilharam porque, apaixonado que sou por História, não poderia deixar passar esta oportunidade. Além disso, o enquadramento interessa-me imenso. Aborda a ciência nos séculos XV e XVI, o contacto dos povos peninsulares com os habitantes do Novo Mundo, os progressos técnicos e científicos que proliferaram naqueles tempos, ao contrário da Idade Média em que, segundo a maioria da doutrina, onde me incluo, houve um retrocesso civilizacional enorme desde a queda do Império Romano do Ocidente (476 d. C.).



      Num período de contenção orçamental, eu entendo que o grande público corte um pouco - ou muito - na cultura, no entanto, é uma exposição que considero interessantíssima até como meros conhecimentos gerais. O preço dos bilhetes é acessível - bastante - e, segundo vi no site da Fundação, aos domingos é gratuito. Eu irei, certamente, enquanto as aulas mo permitirem...
       Não deixa de ser um cruzar do passado com o presente, afinal, a humanidade não seria a mesma se aqueles homens não tivessem sentido o apelo da curiosidade. Uniram os continentes e criaram a primeira vertente da globalização que agora tanto está na moda. Depois da visita guiada, podem também passear nos jardins da Gulbenkian, o que é sempre maravilhoso. :D

        Deixo-vos o link aqui para mais informações.

1 de março de 2013

Limites.


    Ignorei o amontoado de pessoas à porta da faculdade. Contudo, alertado por uma amiga e pela presença significativa da Comunicação Social, deduzimos que algo se passava. Fomos, então, informados de que receberíamos a visita do primeiro-ministro.

   Professores, dos críticos acérrimos até aos defensores incondicionais, passavam agitadamente pelos corredores, um dos quais não se coibia de dizer horrores do homem que agora o fazia movimentar-se com impaciência. Telefones que tocavam sem parar, alunas que choravam por não o terem visto entrar, pessoas que gritavam palavras de ordem, erguendo cartazes e entoando cânticos agressivos. Adivinhasse aquele cenário e teria me refugiado na biblioteca.

    
     Ensinaram-me algo sobre a liberdade. Disseram-me que ela termina exactamente onde começa a dos outros. Recorrendo a uma analogia grotesca: " a minha liberdade para esmurrar alguém termina no seu nariz ". Podemos, mais, devemos insurgir-nos contra o que nos parece injusto, inadequado. A lei enuncia o nosso direito à indignação, à livre expressão, à manifestação, pacífica e sem armas. Contudo, o decoro e o bom senso deveriam ter uma palavra a dizer. Quando não dispomos destes atributos, podemos sempre fazer um exercício simples: colocamo-nos no lugar da pessoa que pretendemos atingir e analisamos a justiça do método utilizado. No meu caso, tendo por sobrenome Coelho, não gostaria de ver um mamífero da espécie enforcado, de verdade ou simuladamente, com vista a criticar a minha actuação. Entenderia como algo pessoal e de muito mau gosto. Portanto, não o faria a outrem. Numa outra perspectiva, as sevícias a animais e a subsequente exposição pública dos mesmos revelam instintos bárbaros e primitivos que julgava ultrapassados, mormente em alunos do ensino superior. Ingenuidade.

     Não somos iguais e, claro está, isto seria o que eu faria no caso. Não posso esperar que todos agissem de igual modo. Partilho da preocupação com o estado do país, mas conheço o significado da palavra limite. Há limites e no dia em que não forem respeitados, pego numa mala e emigro para a selva. Para conviver com animais selvagens, opto pelas girafas (fofinhas), elefantes e, quiçá, leões, com os quais até simpatizo. Se, pelo contrário, continuamos racionais, façamos por o demonstrar. Seguramente, a coabitação por aqui será bem mais agradável.