28 de janeiro de 2013

Notas.


  Finalmente, as frequências terminaram, não sem algumas surpresas. Exames dos quais esperava uma dificuldade acrescida revelaram-se mais fáceis; outros, porém, mostraram-se bem mais complicados do que poderia prever. Tive positiva em todos - incluindo naquele exame de que certamente se recordarão, em que estava cheio de febre. Uma nota nada expectável. Estava crente de que teria ou uma positiva baixa ou uma negativa alta. Jamais equacionei a negativa baixa porque tinha consciência daquilo que escrevera. Todavia, farei oral de melhoria.

   Um exame que imaginava relativamente fácil afinal era muito controverso, cheio de armadilhas e questões nas entrelinhas, nada a que não estejamos habituados, embora creiamos sempre nas boas intenções dos professores, esperando que não preguem rasteiras propositadamente. Nem sempre temos razão. De qualquer forma, vislumbro facilmente o que pretendem: preparar-nos para o futuro. A vida lá fora não é lógica e o que temos de mais certo são caminhos lúgubres e duvidosos, para mais na nossa área... A nota foi abaixo do que queria, embora boa, esperando a melhoria.

   Algo que me deixou sem reacção foi um e-mail que recebi de uma assistente. Quando vi o seu nome, o meu coração disparou. A nota ainda não havia saído virtualmente. Respirei fundo e abri. Desejou-me os parabéns pelo resultado alcançado (não referindo especificamente quanto), recomendando-me a oral de melhoria. Uma vez que ainda não sabia a nota e ela certamente pensava que já estava acessível, fiquei ansioso. No dia seguinte, entrei no site e realmente constava. Não pude acreditar. É uma disciplina que abomino e que - pensava eu - não sabia rigorosamente nada. Afinal... Vou defraudar as suas expectativas, mas prefiro dedicar-me com afinco a outras melhorias. Se já tenho mais do que alguma vez poderia almejar, está feita.

   Às restantes cadeiras, tive mais ou menos o que esperava.

   O balanço é francamente positivo. Agora creio que posso afirmar peremptoriamente de que entrei no esquema. Como já referi por aqui, não é a minha real vocação, ficando sempre admirado quando observo as notas finais. Mais do que prazer ou gosto pessoal, será estudo, acrescido de alguma sorte e de conseguir perceber os conteúdos. Ao menos isso.

24 de janeiro de 2013

Junto ao Tejo.


    Caminhar pela cidade parecera-lhe bem. Descera a Avenida da Liberdade, tomara um café nos Restauradores e vira as montras das lojas na Rua Augusta. A pressa não o caracterizava e Rodrigo não sairia do trabalho antes das dezoito. Sentiu-se só quando observou casais de namorados de mãos cerradas. Apreciava os seus olhares ternos, os mesmos que não evitava quando sentia o calor de Rodrigo a entrar por entre o nylon da sua blusa.

    O musgo deixado por anos de contacto com a água tornava a passagem de pedra especialmente escorregadia. A fraca aderência das botas em contacto com o solo poderia provocar uma queda, mas a atracção pelo cheiro do rio não o deixou inerte junto ao cais. Nem o som das gaivotas atraídas por pedaços de pão lançados por uma transeunte afastá-lo-ia daquela brisa fluvial que aprendera a gostar, que lhe levara os medos e que o apaziguara nos momentos mais difíceis. Faltava ainda meia hora.

    Quis descer pelo areal. Quis sentir a magia dos escritos de um qualquer turista seduzido pela Europa. Um homem fotografava a ondulação junto ao rebentamento, indiferente ao roçar do seu casaco comprido pela água turva. As siderurgias sentiam-se culpadas, ao longe. O flash das objectivas poderia ser para si, não fosse mais um visitante de origens certas, anónimo como o sem-abrigo que enrolava o tabaco nas mãos sujas e calejadas. Um quarto para as seis.

   Rodrigo aguardava pela mudança do sinal do lado de lá da estreita estrada que conduziria à praça principal. Vendo-o tão perto, sentiu o acelerar do seu coração, a solidão que fugia mais depressa do que o peixe assustado pelo impacto de uma garrafa de cerveja vazia no rio. A aragem levantava a franja do cabelo de Rodrigo, para si desenhada por Deus. Abraçaram-se indiferentes à multidão. Aquele momento pertencia-lhes. Mereciam-no.

   O relógio não mentira. Rodrigo chegara cinco minutos mais cedo, a tempo de assistirem ao ocaso, ali, junto ao Tejo, um casal entre outros. 
    O Sol desapareceria por trás da ponte, contemplando-os com a tarde das suas vidas.

21 de janeiro de 2013

Na mira.


   No primeiro ano, costumava almoçar na faculdade. Depois das aulas, frequentemente íamos para o bar conversar e brincar um pouco. Os tempos do colégio não distavam assim tanto e o peso da responsabilidade não era tão visível. As risadas eram comuns e até o comportamento dos professores demonstrava mais abertura e descontracção. Não raras vezes interagiam connosco num registo informal. Sinto saudades.
    Estabeleciam-se vínculos, sendo quase inexistentes os muros que hoje se erguem e nos distanciam. Talvez por isso, estranho o à vontade de algumas pessoas. 
 
    Há pouco tempo reparei na atenção de um rapaz. O que começou por ser um olhar fixo, momentâneo, revelou-se persistente. Comendo algo no bar, sentou-se na mesa em frente e passou a refeição observando-me ostensivamente. Uma vez que não gosto de olhar com insistência - detestando que mo façam - acho mais do que natural levar a minha vida sem atentar para este/a ou aquele/a. A dado momento, senti-me incomodado. Dias depois, nos átrios e nos corredores, passando por mim, manteve a dita postura, repetindo-a nesta época de avaliações. Evidentemente, qualquer coisa apitou por aqui... É fácil identificar e ser identificado. Além disso, dúvidas existissem, vê-lo na companhia de um determinado indivíduo dissipá-las-ia num ápice.

    Poderia abordar-me. Por que motivo não o faz? Teme a minha reacção ou não tem nada para me dizer?
  Não noto um olhar inquisidor - provavelmente curioso, insistente. Eu não conseguiria ser assim e fico verdadeiramente estupefacto que o consigam. Se me dirigisse a palavra, seria educado e cordial. Não o fazendo, seja discreto.

    É tão inteligível que dispensa explicações.

17 de janeiro de 2013

Diamonds are forever.


   Morrer jovem é como interromper uma música, é doce que não se come até ao fim, é viagem que não termina quando deveria. É parar um filme a meio, é rasgar as páginas de um livro cujo desfecho se desconhece. É ida sem retorno, é bilhete que se compra para destino incerto. Morrer jovem é trair um amigo, um pai, uma avó. É cobardia. É sair de cena sem vénia, é não dar tempo aos aplausos, é não esperar pela interpretação de uma carreira.

   Morrer jovem é desligar a televisão no melhor do programa, é rebuçado que se rouba a uma criança, é desenho incompleto. É conto que fica sem final, é princesa que não acorda do feitiço, é Verão que não chega. Morrer jovem é cortar uma árvore pela raiz, é apanhar um cardume de peixes pequenos, é parar o curso de um rio.

   Morrer jovem é deixar um monte de coisas por fazer. É a casa que não se compra, é o curso de alemão que não se frequenta. São as fotografias de um casamento que não existiu, são os filhos que não se teve. É contrariar a velhice, fintando-a. Morrer jovem é faltar aos compromissos, é ser desleal com todos os que nos amam, é alguém que fica de porta-retrato na mão, chorando. É zombar do tempo, é rir das maleitas da idade, é biografia incipiente.

   Morrer jovem é escandaloso, é dizer não ao futuro. Quem morre jovem, torna-se mito. É uma existência que vai directamente para o firmamento. É tema de conversa de café, é lamento / lugar-comum, é sorriso que perdura na memória. Morrer jovem é evitar os cabelos brancos, é manter a candura até ao suspiro final, é a pele que não enruga. É levantar da cadeira sem pedir licença, sair e não voltar. É dispensar o até já, passando de imediato ao adeus.
 
   Morrer jovem é destruir uma família. É enlutar uma mãe e exigir-lhe forças.
   Por tudo isto, morrer jovem é injusto, imoral, inominável.
 
   Morrer jovem deveria ser proibido.

14 de janeiro de 2013

The Versatile Blogger Award


   O Rapaz das Marés, o Ama o insignificante, o Lobo Solitário, o sad eyes e o Jaime atribuíram-me este prémio simpaticamente. A todos, o meu agradecimento. :)



   As regras são fáceis: agradecer a quem nos nomeou e indicar o respectivo blogue com um link; escrever 7 curiosidades pessoais e escolher outros 15 blogues. A primeira regra está cumprida e as 7 coisas enunciarei de seguida. Quanto aos 15 blogues, vou manter a tradição: como temo esquecer-me de alguém e creio que o prémio já foi atribuído a todos, deixo ao livre arbítrio de cada um o poder participar. :)

   
   7 coisas sobre mim:

  1. Estou sempre a ouvir música com os headphones (vício);
  2. Odeio cenoura (cozida, então...);
  3. Tenho um fascínio qualquer pelos E.U.A e pela Austrália;
  4. Adoro a Disney;
  5. Fico nervoso - muito - antes das avaliações;
  6. A minha grande paixão - e vocação - é a História;
  7. Nunca liguei nada à televisão (posso estar meses sem ver); 

10 de janeiro de 2013

Round #2.


   Arriscaria em dizer que nunca me sentira assim. Passei a pior noite de sempre, numa mistura de suores e sonhos estranhos. Devido às dores latentes na cabeça, adormeci deitado de costas, franzindo os olhos, enquanto acordado, à mínima palpitação. A fragilidade - presente em mim desde pequeno - mostrou de novo a sua face e, numa mistura de mal-estar e inflamação nos brônquios, decidi não acordar a mãe para não a preocupar. Proibir-me-ia de ir à frequência, o que não seria, de todo, do meu agrado.

   De manhã, cedo, mal consegui erguer-me da cama. A cabeça continuava a latejar e a ela acrescentaram-se as tonturas. Escovei os dentes, fiz a barba, tomei banho e vesti-me com imensa dificuldade. Menti quando me perguntou se comera algo. O apetite, já de si escasso em mim, desapareceu por completo. Os códigos iam ficando na secretária, bem como as canetas. Coloquei o casaco e saí.

   Cada passo foi uma tortura. Chegando à faculdade, isolei-me; conversar e gargalhar não me convinha, não naquele momento. Sabemos, de antemão, que ninguém tem culpa dos nossos problemas de saúde e é inevitável que se aproximem, falando alto e exigindo um pouco de atenção. Tentei demonstrar que estava doente.

   O pior exame de sempre estava prestes a começar. Difícil por natureza, os espirros não ajudaram em nada durante duas horas - o tempo de duração da prova. O calor dera lugar ao frio e o desconforto aumentou. Pedi, implorando ao relógio para que adiantasse os seus ponteiros miraculosamente...
   Pensei em telefonar a alguém para me esperar à saída, de carro, contudo, senti-me capaz de apanhar o metro. O ben-u-ron fizera efeito.

   Como de costume, não fui ver a matéria, nem o que colocara bem, mal, ou deixara de colocar. Não quero ouvir falar em frequências nos próximos dias - pelo menos enquanto não me restabelecer. Entretanto, a mãe chamou o médico a casa...

6 de janeiro de 2013

Exames.


   As avaliações semestrais estão aí, mais uma vez. Este ano com uma nuance: começaram mais tarde pelo facto de as aulas terem terminado nas vésperas da quadra festiva, uma situação incómoda, sobretudo para os alunos naturais das regiões autónomas. Digamos que apanhar o avião no dia vinte e quatro não é muito agradável.

   Tenho passado os últimos dias a estudar. Descurei-me demasiado e deixei apontamentos e resumos por fazer. Não é algo que me caracterize. Costumo definir bem as minhas responsabilidades e separar os momentos de lazer e de trabalho. Porém, talvez devido a algum cansaço extremo no ano passado, decidi relaxar mais, não despendendo tantas energias na faculdade. E se me sinto mais revigorado por um lado, pelo outro tenho a sensação de que não estou tão bem preparado. A balança deve ser mantida em perfeito equilíbrio - desta vez a preguiça levou a melhor.

  As médias ganham importância. Neste ano são leccionadas disciplinas estruturantes para a nossa formação. Algumas notas têm mais valor do que outras, dependendo não só da área que queremos seguir, mas também da preferência que o mercado de trabalho dá a determinados conhecimentos. Atendendo à situação do país, nunca como agora as médias tiveram tanto peso.

   Há colegas que se juntam para estudar na faculdade. Temo distrair-me e acabo sempre a estudar sozinho, aqui por casa. Funciono melhor assim. Leio em voz alta as matérias, aliás, às vezes gostaria de ser filmado para assistir posteriormente. Daria umas boas gargalhadas...

   Já me disseram que o segredo está em manter a calma. Vou tentar adoptar a misteriosa fórmula do sucesso, finalmente (veremos se conseguirei).

2 de janeiro de 2013

Eva.


   Eva nunca fora uma mulher decidida. Enfermiça desde criança, a má nutrição não a permitiu ir além  do metro e cinquenta de altura. Habituada a que tudo cuidassem por si, Eva sujeitou-se ao arranjo que os pais fizeram em troca de doze cabeças de gado e trabalho seguro nas vinhas de um velho emigrante. Por entre as videiras, acostumou-se a ver o seu futuro marido nos encontros fortuitos com moçoilas da terra. Jurara que jamais cairia no engodo; a aparência não a tornava, também, numa mulher sensual aos olhos dos catraios.

  Enganada pela crença obstinada em que a sua fealdade evitaria problemas de maior, aprendeu a amaldiçoar a Deus e aos homens pelo estupro de que foi vítima em adolescente e pelo útero seco, condenada que estava em fazer a aletria dos anjos, receita de sua avó Esperança. A canela que acreditava vir da Índia, resultado de uma leitura em pequena, encontrou a origem pela troca das letras mal aprendidas, enfiadas à força na cabeça, porque um oficial da guarda passou lá por casa e obrigou a mãe a matriculá-la na escola.

   O seu sistema nervoso atraiçoá-la-ia por décadas, quando, de noite, sentia os passos do marido, borrachão inveterado, má índole, subindo as escadas de madeira. Nunca sabia se quando ouvia o tilintar das partes metálicas do cinto seria amada, forçadamente, na cama de lençóis que engomava às terças-feiras, ou espancada até à exaustão. As manchas amarelecidas na fronha do travesseiro não foram do chá que entornara, mesmo repetindo-o para si vezes sem conta.


   Sobraram duas taças da sobremesa. O negócio tivera melhores dias e a dona Dolores quase morreu de um ataque da diabetes, sua melhor freguesa. O que principiou por ser uma brincadeira tornou-se num modo de subsistência. Não por ela, pelo marido. Ricas as vizinhas que compraram aquelas máquinas engenhosas onde lavam a roupa, jamais lá confiaria a sua. Tudo em si, o pouco, era dor.

   A ideia seria enfraquecê-lo para cuidar. Um homem do campo, viril, não admitiria precisar de alguém. A ignorância aguçou-lhe o instinto. O seu homem nem gostava da canela...
   Sobredose! Ante as convulsões do marido, Eva caminhava desesperadamente, arruinara a sua vida, que vida? A consciência doía-lhe. A mesma que a atormentara quando julgou que seduzira o pai, a mesma que a tornara numa criatura horrenda a seus olhos, ela mesma, que a condenou à resignação durante todo aquele tempo. Pegou na outra taça, juntou-lhe os pós e comeu. Agora era a sua vez de estrebuchar no chão, agonizando, o homem estava aos berros no telefone. Chorava. Amou-a, ao menos na morte. A morte que conjecturou para ele, mas que decidiu antes escolher para si. Soube o que era o amor. Valera a pena viver.