30 de junho de 2012

Hermanos o Vecinos?


 Meditando sobre as palavras carinhosas usadas pela imprensa portuguesa para se referir ao povo espanhol (palavras essas de uso mais frequente do lado de cá de la raya do que propriamente do lado de lá), levantaram-se em mim sérias dúvidas sobre a propriedade de termos tão familiares, não sendo a minha intenção conferir qualquer seriedade aos mesmos, admitindo, até, uma certa ironia por parte de quem os utiliza (também eu tenho um lado ingénuo).

 A expressão nuestros hermanos tem tido um uso popular. Vulgarizou-se. A proximidade geográfica (único país com o qual Portugal tem uma fronteira externa), as semelhanças culturais e sociais levaram à proliferação de tão bem intencionada expressão. Alguns ressentimentos históricos - muitos fundamentados - e a subsequente necessidade de esbatê-los no tempo, também terão perpetuado este carinho fictício e criado artificialmente, mormente pelos vários governos de cá e de lá da fronteira, para os quais, num quadro de integração europeia, qualquer tipo de nacionalismo, mesmo o mais elementar e compreensível, é um obstáculo.

 Será o povo espanhol irmão do povo português? Teremos tamanha afinidade que sustente isto?

 Falso seria aquele que negasse um passado comum com Espanha. Sendo mais antigo do que o reino vizinho, Portugal surgiu no mesmo contexto de Reconquista Cristã, com propósitos e objectivos idênticos: livrar a Península do domínio muçulmano (infiel). Nesse sentido, ambos os reinos surgiram em circunstâncias semelhantes, com Portugal a formar-se primeiro, delimitando as suas fronteiras com o Tratado de Alcanizes de 1297. Espanha surgiria apenas em 1492, aquando da conquista do último reduto árabe na Península, feito alcançado pelos Reis Católicos Fernando e Isabel.

 O período apoteótico e talvez mais importante da História de Portugal - os Descobrimentos - iniciados com a Conquista de Ceuta, em 1415, no reinado de D. João I, seriam seguidos mais uma vez de perto pela vizinha Espanha que, terminando a reconquista no seu território, preparada estava para competir com Portugal pelo comércio das célebres especiarias das Índias, ansiando, tal como o seu rival, pela destruição das rotas terrestres dos árabes. Colombo descobriria a América no mesmo ano da tomada de Granada aos árabes, 1492. Nas Américas, os dois reinos competiriam pela colonização, exploração e posse daquele continente.

 O Absolutismo Régio, que grassou na Europa Continental, também haveria de contemplar os dois vizinhos ibéricos. Iniciado em Portugal no reinado de D. João II (sobretudo), atingiria o seu apogeu, no século XVIII, com D. João V e, especialmente, com o despotismo esclarecido de Sebastião José (Marquês de Pombal) que aumentou substancialmente os poderes reais, na pessoa de D. José I, aniquilando, dessa forma, qualquer outra autoridade no Reino ou nos seus domínios (o fim do exclusivismo educacional dos jesuítas no Brasil é um exemplo). Em Espanha, após a famosa Guerra da Sucessão (1702 - 1714), o Absolutismo nasceria da necessidade de afirmação de um Estado forte e coeso, incorporado em Filipe V.

 O fim dos impérios coloniais na América seriam mais uma manifestação dessas similitudes históricas. As invasões napoleónicas em Portugal e em Espanha despoletariam, por todo o século XIX, as independências dos domínios espanhóis naquele continente (Venezuela na vanguarda, em 1810) e do domínio português (Brasil, 1822).
 A Revolução Industrial haveria de seguir o mesmo rumo nos dois países, tardiamente, já no século XIX, nomeadamente, e em Portugal, com as reformas de Mouzinho da Silveira.

 Seria, contudo, mais tarde, já no século XX, que a História confundiria de novo o percurso dos dois eternos vizinhos. Ascensões de regimes autoritários iguais: em Portugal, com o Golpe Militar de 1926, comandado por Gomes da Costa, que daria lugar a partir de 1933 e até 1974 ao Estado Novo; e em Espanha, que após a Guerra Civil de 1936 / 39 haveria de conhecer uma vitória do Generalíssimo Franco, que iria, tal como o seu congénere Salazar, dar início a um regime fortemente autoritário. Breves distinções surgiriam no contexto da transição para regimes democráticos. Enquanto que em Portugal o mesmo sucederia com um golpe de Estado, em 1974; em Espanha uma transição "pacífica" e diferente foi projectada após a morte de Franco, em 1975, e a subida ao trono de Juan Carlos, no mesmo ano. Tendo Magnas Cartas iguais na substância e em direitos, as Constituições Portuguesa (1976) e Espanhola (fortemente inspirada pela primeira - 1978) desvendam objectivos comuns. A integração europeia, nomeadamente na mesma data, 1 de Janeiro de 1986, iniciaria um novo ciclo na vida dos dois países ibéricos, já, desta feita, no quadro da C.E.E (actual U.E).

 Posto isto, serão hermanos

 Não, analisando os factos. Os percursos idênticos não poderão admitir essa suposta afinidade. Atribuindo, porém, uma definição tão íntima a tais laços, de que nome poderíamos dotar as relações verdadeiramente próximas entre Portugal e os países da CPLP? E as relações entre Espanha e as suas antigas colónias na América e em África (Guiné Equatorial)?
 Essas, sim, serão de verdadeira irmandade.

 Espanha e Portugal percorreram tantos séculos como aqueles que têm, enquanto Estados soberanos, de costas voltadas. Nada os une. Têm línguas distintas, culturas autónomas e desejos afincados e profundos de pertença a um lugar, a uma identidade própria e totalmente diferente, pese embora os factos históricos que enunciei. A tomada ilegítima de Olivença, na célebre Guerra das Laranjas, é mais um dos espinhos na relação conflituosa dos falsos irmãos. Recorde-se de que, no que concerne a Olivença, existe, até hoje, uma total omissão em todos os tratados bilaterais que estabelecem as fronteiras entre os dois países. Nenhum cede.

 Os irmãos, na realidade, são meros vizinhos. Não existe suporte popular ou histórico para mais. A designação, honorífica, chamemos-lhe assim, peca pela sua insuficiência de sustentação e pela sua inverdade. Nunca houve - e não há - carinho, estima ou amizade entre as populações portuguesa e espanhola. Desçamos a uma mera conversa entre populares num café - a essência de uma nação, o povo: não há afinidade. Haverá? O futuro é uma doce ou amarga incógnita.

27 de junho de 2012

Da minha janela.



Mar alto! Ondas quebradas e vencidas
Num soluçar aflito e murmurado...
Voo de gaivotas, leve, imaculado,
Como neves nos píncaros nascidas!

Sol! Ave a tombar, asas já feridas,
Batendo ainda num arfar pausado...
Ó meu doce poente torturado
Rezo-te em mim, chorando, mãos erguidas!

Meu verso de Samain cheio de graça,
Inda não és clarão já és luar
Com branco lilás que se desfaça!

Amor! Teu coração trago-o no peito...
Pulsa dentro de mim como este mar
Num beijo eterno, assim, nunca desfeito!...

Florbela Espanca
 

25 de junho de 2012

Tempo para o balanço.


 Uma colega sente borboletas no estômago a cada acesso na secretaria virtual da faculdade. Então, entra na página, na parte referente às notas, e vai descendo vagarosamente com o mouse. Vê linha após linha e, meticulosamente, vai desvendando se tem alguma surpresa. Às vezes boas, outras vezes más. Acessam em todo o lugar, com os portáteis, com os telemóveis, vivendo obcecados com as actualizações da secretaria.

 Eu não deixo de visitar frequentemente a página, mas tento regrar-me. É impulsivo fazê-lo, virando para muitos um ritual obrigatório. Criaram-se grupos nas redes sociais, onde é colocado, em posts, o conteúdo de cada actualização. Digamos que a vida de cada um é severamente congelada durante a época de exames.

 O balanço desta época normal, que terminou, não poderia ser mais positivo. Transitei de ano e fiz todas as disciplinas, vulgo cadeiras em linguarejar universitário (mesmo não sabendo, até hoje, o motivo de se designar as disciplinas com um substantivo tão... estranho). Presunçosamente, admito que tenha feito uma cuja nota ainda não conheço, tomando como certa a aprovação (visto ter me corrido bem o exame). A dificuldade acrescida da minha licenciatura está aí: querendo ou não, temos sempre de fazer exames escritos. Esta imposição fideliza as competências adquiridas, tendo um carácter de quase validação.

 Foi mais uma maratona ultrapassada; o vazio, contudo, fica e o desgaste também. É aí que entra o capítulo chamado "férias", não existissem, ainda, as melhorias do costume.
 Que o barco chegue, um dia, a bom porto.

  
 P.S.: Entretanto, hoje de manhã saiu a dita nota ainda "desconhecida". Passei, daí este post-scriptum. :)

20 de junho de 2012

Solstício.


 Mentiria se dissesse que não gosto do Verão. Gosto, apesar de novas tendências que levam as pessoas a apreciarem a beleza da Primavera, a queda da folha do Outono ou mesmo o frio sedutor do Inverno. O Verão continua a ser a minha estação preferida. E porquê? Porque adoro a luz, o calor, o sol alto pela manhã, que nos acompanha durante os largos meses intermédios do ano. Gosto de praia, de caminhar descalço pela areia, de beber sumos frescos à beira-mar, de ver os caranguejos a subirem as rochas íngremes e húmidas.

 Gosto também dos bolos comprados à senhora dos bolos, pese embora a fiscalização da ASAE proíba a comercialização de produtos alimentícios assim (antigamente não existia nada disso e as pessoas não morriam). Dos gelados saboreados no miradouro, do frio inicial à entrada na água, das pequenas pedras que arranham a pele sensível dos pés. Do céu azul, sem nuvens nem vislumbres de chuva, do barulho da rebentação ao longe, da garrafa de água cujo líquido mais se assemelha a um néctar mágico.

 Serei mais feliz no Verão... Creio; não tenho certezas. Porque o meu estado emocional não pode depender da luminosidade do Sol na Terra nem da duração dos dias. Terá de depender de factores externos, aleatórios e completamente imprevisíveis, tais como comer um gelado de morango e sentir a nata nos lábios.
 Parece-me bem.

18 de junho de 2012

A Babilónia das gentes.


 Ontem, a partir de determinada hora, era difícil andar pela cidade sem ouvir buzinadelas de carros, apitos e demais manifestações efusivas de júbilo. A população saiu às ruas e fez a festa.
 Às vezes ponho-me a pensar em assuntos que não devem suscitar muita curiosidade por aí além, mas que me deixam sempre intrigado. O sucesso do futebol é um deles, mais concretamente destas ligas de países que competem entre si por um título.

 Séculos atrás e o patriotismo via-se noutras atitudes: na diplomacia no âmbito das relações internacionais e, sobretudo, nas guerras medievais e modernas, onde a massa das populações era toda direccionada na luta contra o inimigo. E saíam os cavaleiros e as gentes, lutando como podiam e com as armas que lhes estavam disponíveis. Quando nada mais tinham, eis que saía uma padeira qualquer, que com a sua pá do forno empacotava uma boa meia-dúzia de castelhanos. Mito ou verdade, é elucidativo.
 Depois comemoravam de armas nas mãos, ainda ensanguentadas, mal esperando os terríveis impostos que aí viriam para a reconstrução do país.

 As competições desportivas adaptaram o patriotismo aos dias actuais. Também agora se sofre, também agora se ama, também agora se vibra. E, de dois em dois anos, de quatro em quatro anos, o povo lembra-se de que é português - e bem. Arrebita os cachecóis, levanta as bandeiras, aviva a voz e grita, tentando olvidar-se dos problemas que o afectam, da mágoa dos tempos vindouros.
 Há séculos, as festas religiosas - meio pagãs - davam ao povo a alegria de uns dias, entre as lutas e as guerras. O descanso merecido, o restabelecimento das forças. Hoje, o futebol inebria, e fá-lo de tal forma que durante um mês nada mais se sabe, nada mais se ouve, pudesse cair o mundo.
 Que haja alegria!

15 de junho de 2012

São João, dá-me um balão para eu brincar.


 Seria tudo quanto eu queria. Um balão de ar quente que me levasse a viajar por aí. Não tenho destinos preferidos nem exijo muito. Basta-me bom tempo e ventos favoráveis. Este mês parece-me o indicado. 
 Reflectindo melhor, o ar quente levar-me-ia por uns meros planaltos, caindo após escassos quilómetros. O hidrogénio parece-me perigoso demais; apostaria num balão a hélio.

 Nada levaria comigo a não ser a boa disposição. Veria Lisboa por baixo, pequena e distante, embora provavelmente ainda conseguisse sentir o cheiro da sardinha assada pingada no pão (que abomino). Ouviria a música estridente a soar em baixo, os cantores populares e os seus trejeitos brejeiros, que não deixam, por isso, de fazer parte dos elementos identitários de um povo.

 De noite, seria pior. Inevitavelmente teria de pousar algures e voltar à terra dos homens. Com um balão o que mais quereria eu? Torná-lo num avião? A sensação de subir a altitudes invejáveis tem limites e não fomos dotados de asas, como as aves, de forma a voarmos. E nem todas o fazem: vide a galinha e a avestruz. 

 Encontro estranhos paralelismos entre a minha vontade de ganhar altitude, talvez voando, e o bater de asas repentino dos galináceos. Assim como eles, também eu o fazia descoordenadamente, com uma diferença salutar: eu era movido a sonhos, era o meu combustível, como o serão os grãos de milho para as galinhas, o petróleo transformado para os carros e os gases para os balões.
 Tenho o sonho em mim. Pode ser que o São João o escute.

12 de junho de 2012

Quarto Round.


 Não gosto dos anfiteatros novos. O seu aspecto demasiadamente moderno, as linhas assimétricas e curvilíneas provocam-me espasmos intelectuais. Os assentos, numa imitação vulgar de pinho, cedem constantemente mal nos sentemos, revelando uma fragilidade que não se coaduna com o tempo de utilização.

 Sempre o mesmo ritual, cumprido escrupulosamente. O professor-vigilante faz cara de mau, tentando impor um respeito que não caberá no seu metro e cinquenta e na sua cara de eternos dezasseis. Aumenta o tom de voz, a aspereza do timbre, numa tentativa de suster os ânimos exaltados de uma tribuna nervosa. Alunos, mal educados, sussurram ofensas de baixo nível por entre os dentes, exibindo um ódio recalcado, situações vindas de outras paragens, mágoas que perduram através das folhas grotescas de exame.
 Entra o regente. Abrem as portas de saída, imediatamente atrás de nós. Corre um ar fresco que entra pela minha t-shirt, aliviando-me o peso das horas. Um pardal pousa entre a porta e o recinto exterior. Não entra. Afinal, quem entraria de bom grado podendo-o evitar?

 O regente sorri-me. Conhece-me das aulas plenárias, da minha pontualidade quase britânica às suas aulas, da minha mão cansada que segue o ritmo da sua voz. Senti-me especial sem o ser. Senti-me patético.
 Entreguei o exame e saí. Evitei os olhares inquisitórios e as perguntas cínicas da praxe. Cá fora, já no amplo átrio em direcção ao jardim da faculdade, invejei a liberdade do pardal, procurando-o enquanto olhava o céu.
 Dei os rounds por terminados, num primeiro momento, mas habituei-me à volatilidade das certezas.

10 de junho de 2012

Tantas emoções por viver.


 Dei-me ao trabalho de contar todas as emoções que tenho por viver. Claro que algumas terão escapado à minha contagem fortuita, mas nunca fui bom a Matemática. Alguns dirão que é prematuro demais sentir que os anos me escapam por entre os dedos, como pequenos grãos de areia da praia, apesar de não se tratar de um eufemismo abusivo. É-o assim, efectivamente.

 Viver intensamente como se não existisse mais vida para além da meia-noite; dizer o que se pensa, ir para onde se quer, comer o que se gosta, deixar as obrigações para trás, esquecer o presente. Talvez mergulhá-lo numa solução aquosa, vendo-o desfazer-se como uma aspirina colocada num copo com água. A impaciência que trago por vezes assume laivos de efervescência, sentindo-me a borbulhar por entre sensações que não consigo descrever.

 Amanhã há jantar de final de ano e não vou. Primeiro, porque o ano não acaba e o meu calendário é totalmente gregoriano. Será das poucas coisas em que respeito os preceitos católicos. Segundo, porque não acho que socializar deva ser uma imposição. Não os quero ver, não os quero ouvir, não quero falar 'porque sim', não quero dizer mal dos estudos 'porque faz parte', não quero ter espírito académico. Ficaria melhor num canto, sozinho, comendo um fast-food reles cheio de molhos horríveis e carnes duvidosas. Como não o faço, também não irei a jantares-convívio. Convivam!

 Uma vez que as emoções que tenho por viver não chegam até mim - e são tantas - fico-me pela companhia da minha sombra (espero aproveitar amanhã porque tudo indica que estará Sol). Não a tendo por perto, basta-me um insecto, um mamífero qualquer que passe, um cão, um gato ou até mesmo um rato, que tenha paciência para ouvir o ruído dos meus headphones e o barulho dos meus passos.
 Vivam!

9 de junho de 2012

We tried.


 Entre os apontamentos e os livros, não sublinhados, como é hábito, tirei um momento só para mim... e para duas amigas. Precisávamos de afastar da cabeça os pensamentos negativos sobre as avaliações. Fizemos um pacto - e cumprimos - de que não iríamos fazer login nas respectivas secretarias virtuais, com o telemóvel, para sabermos alguma nota.

 Uma delas levou uma pequena bola de futebol (se é que que se pode chamar àquilo de "bola de futebol") e decidimos que seria a melhor maneira de descontrair. Teria sido maravilhoso se alguém tivesse filmado as nossas performances desastrosas frente ao objecto esférico. Decididamente não sabemos dar um pontapé na bola. Dois rapazes, pouco afastados, não conseguiram suster umas risadas ao depararem-se com tal cenário dantesco. Quando a bola voou, impulsionada defeituosamente por mim, tivemos uma acessa troca de ideias sobre quem a iria buscar no meio dos arbustos, até que um dos rapazes se prontificou a ir buscá-la. Ficámos impressionados com os seus calções brancos, encardidos por também estar a jogar, ou melhor, por estar efectivamente a jogar, e pela sua prontidão em auxiliar tão delicadas pessoas habituadas a outros hobbies. A sua valentia, mestria, deixou-nos impressionados.

 Mais tarde recolhemos a bola, aceitando o facto de que não conseguimos, de todo, dar-lhe uma finalidade útil, aproveitando para ver quem percebe do assunto... os ditos rapazes! Sentámo-nos num muro e ficámos a balançar as nossas pernas enquanto trocávamos cochichos sobre eles. Reminiscências da adolescência! E ainda temos tantas!
 Demorei, mas consegui entender a táctica de ambos: cada um tentar marcar um golo ao outro. Então, rimos com as suas jogadas e quase levávamos com uma bolada em cheio.
 Voltámos a casa ao anoitecer, com as luzes alaranjadas dos candeeiros públicos a iluminarem-nos os rostos.

6 de junho de 2012

Terceiro Round.


 Os tectos das salas são altos. Tão altos que nos sentimos mínimos no meio daquelas paredes antigas, pese embora revestidas de uma tinta branca, brilhante, que contudo não afasta o cheiro bafiento a Salazar que ainda por lá se respira. As mesas e as cadeiras, fixas no velho pavimento de madeira, encontram-se a uma distância apreciável do púlpito do professor, dez metros acima das nossas cabeças, como bem mandava o respeito reverencial da época.
 As janelas, amplas, deixavam correr a brisa da tarde, fresca e suave, que agitava as folhas dos amontoados de legislação dispersa, que compunham a decoração singela das mesas. Regras e preceitos definidos a rigor, a hora do término da avaliação escrita com um toco de giz no quadro empoeirado, de letras mal sumidas.
 Olhos de gavião contemplavam-nos a todo o momento. Uns escondiam os livros nas prateleiras inferiores das mesas, outros fingiam uma atenção inexistente.
 Lá fora, as copas das árvores agitavam-se sob a luz clarividente de um final de tarde. O silêncio ensurdecedor só era perturbado pelo som de aviões prestes a aterrar na Portela. Entre cópias de documentos impressos, do século XVI, nas paredes, o peso histórico da sala fazia-se sentir a todo o momento.

 Ultimavam-se os artigos mais importante para o fim; frases construídas à última hora, um pouco mais para preencher folha. Levantavam-se e tornavam-se a sentar. Espera! Ainda há mais! Saía mais um artigo improvisado, quiçá de número e alíneas omissos e sem estipulação de fonte. Nada como a sensação de trabalho concluído.
 Saí atrás do professor, enquanto ouvia um grupo de alunas para trás, trocando impressões imprecisas, conformando-se com a ideia do lanche de angústias e sentimentos de culpa que aí viria.


3 de junho de 2012

Segundo Round.


 Nem uma corrente mínima de ar percorria o anfiteatro. Estava cheio. Eram visíveis os rostos avermelhados, suados, de vários alunos. O professor desesperava dentro do blazer cor-de-mel. A camisa tornara-se transparente, revelando o seu peito justo ao tecido. Pequenas mechas de cabelo, molhadas, colavam-se à testa, dando-lhe um ar relaxado e mais novo.
 Avisos feitos, como lhes chamam, "avisos à navegação", e começou o exame. A mesma rapariga que, meses atrás, me perguntou se o Sir Winston Churchill era francês, estava de novo sentada a meu lado, agitando-se ansiosamente no pequeno assento de madeira. Os seus olhos pequenos, a estatura franzina e o seu nariz largo, espesso e oleoso, tornam-na numa figura enigmática. O gancho minúsculo, azul com uma borboleta amarela, que pouco cabelo conseguia suster, dava um toque desordenado ao conjunto. Temi que me fizesse perguntas de modo a que os vigias se apercebessem.
 A prova era acessível, demonstrando, uma vez mais, a benevolência da professora.


 Um grupo de namorados amontoou-se à entrada do cinema. 
 Apesar de não gostar particularmente de pipocas, incluindo do seu som estaladiço, não resisti ao pedido da minha amiga para que comprássemos um pacote médio, doces.
 Os trailers ainda passavam na tela quando chegámos à sala, praticamente vazia. O enredo não convencia e acredito que fossem mais pelo actor em si. Não conseguimos decifrar os números devido à escuridão. Tentei identificar algumas características nas pessoas que estavam presentes. Todas iguais, assim como aprendemos nos manuais dos iluministas do século XVIII. O individualismo surgia, sim, com a luminosidade repentina que inundava o espaço.
 Ouviram-se gritos com o disparo que o Robert Pattinson deu na sua própria mão. Foi como um grito de alerta e acredito que tenha funcionado como despertador para uns tantos. A lógica formal não é facilmente captada. É natural que o mesmo leve a um aborrecimento dos espectadores.
 Porém, reflectindo numa frase do filme, tão óbvia e, por isso mesmo, tão despercebida, por que motivo é comum e até socialmente bem visto dizer-se que se detesta pessoas ricas quando, no fundo, quase todos o queriam ser?
 Engoli em seco e temi os Homens.