12 de setembro de 2012

O complexo de aldeão.


   Viver ou não em Portugal nunca foi discutível. A hipótese de sair não pairava sobre os meus pensamentos, nem tanto por patriotismo ou comodismo, mas por jamais me ter ocorrido outra situação.
   À medida em que fui crescendo - e sobretudo após entrar na faculdade - fui tendo a noção de que não existem grandes elos de ligação a este país. Portugal é um país homogéneo, de costumes, religião e língua iguais em todo o território, onde o povo em si é bastante semelhante também nas ambições, vontades e ensejos. Tenho a sensação de que se fala a uma só voz; o grito sai da garganta quando chega a hora de defender os interesses nacionais, o amor à Pátria está lá quando é chamado a intervir. O pretenso orgulho de se ser português. Comigo nunca foi assim.

   Ultimamente, é-me constante a ideia de morar noutro país. O sentimento de pertença que abarca mais de dez milhões de habitantes não me cercou com os seus lânguidos braços. Pelo contrário, a génese do povo português afasta-me progressivamente, como a um forasteiro que percorre terras estrangeiras. Uma especificidade deve ser relatada: não é a situação económica do país que me amedronta, fazendo brotar um instinto de salvação. O que me move é o facto de sentir que, em grande medida, não sou deste lugar. Há um composto orgânico português impassível de ser negado. Há ascendência romana, celta, porventura árabe, em mim. Há tudo o que também se encontra em todos os lusitanos. Não há, todavia, o amor ao país. Há um olhar complacente perante a História, há um orgulho salutar na língua de Camões e Drummond de Andrade, Saramago e Bilac, Mia Couto e Agustina Bessa-Luís. É tudo.

   Terei as emoções de um latino, embora me seduza o pragmatismo das terras anglo-saxónicas. Um amontoado gigante, como o Canadá ou a Austrália, reinos de Sua Majestade, prende-me o olhar quando folheio avidamente as páginas das enciclopédias geográficas do Círculo de Leitores, compradas pela mãe. Os meus dedos deslizam pelos contornos das fronteiras desses países, num desejo explícito pelo imensurável, pelos quilómetros que se poderão percorrer sem que o fim esteja à vista. Um trauma, quem sabe, de ir ao norte e voltar demorando poucas horas. Um horror ao provincianismo de países pequenos, à estrutura de Estados unitários, a fuga urgente ao espesso manto da velha Europa, continente perdido.

   A epifania da felicidade estará por lá, ou algo que se lhe assemelhe. Não com bandeiras expostas em cafés e bares, concertos de música popular, visitas regulares «ao cantinho que viu nascer». Haverá dor, más memórias, rancor? Com certeza que sim. Nada o é por acaso.

   A adopção plena é um vínculo perpétuo, quebrando todos os laços anteriores à sua concretização. Que encontre, também eu, uma terra à qual possa chamar de minha.

21 comentários:

  1. Não gosta de ser português e de estar aqui vá-se embora! Não precisamos de pessoas assim aqui!

    ResponderEliminar
  2. Não sabia que você se sentia tão mal aí. Se é assim, sai, mora em um outro país, Austrália ou Canadá, onde você consiga ser feliz. Não tem por que ficar aí se não está gostando. Termine seus estudos e procure sua felicidade, Mark, a vida é tão curta.

    Abraço!

    ResponderEliminar
  3. Anónimo: Obrigado pela sua rudeza e por ser cru! É isso que me faz abrir os olhos, vendo, nos momentos em que ainda hesito, de que estou certo no que quero. ;)


    Francisco: Obrigado. :) abraço :3


    Ty: Sim. Não me agrada muito ficar por aqui, realmente. Lamento apenas que não seja assim tão fácil viver nesses países. :|
    Ainda terei de pensar bem. Também tenho tempo para isso.

    abraço :3

    ResponderEliminar
  4. Conheço tanta gente que pensava assim e depois de estar lá fora passou a amar Portugal... lol
    E depois há um factor muito importante, se calhar não és feliz aqui porque também não sabes explorar o que de melhor este País tem para oferecer... não é por acaso que muitos cidadãos das terras de sua majestade vêm para cá de férias, apaixonam-se pelo País e ficam cá a morar indefinidamente...
    Mark, o teu problema não é o País, é a forma como vives as coisas... se porventura gostares mais de lá estar fora, não será porque lá fora é melhor, mas porque lá fora mudaste a tua forma de viver as coisas e tornaste-te mais aventureiro.

    Abraço e não ligues ao brutamontes do anónimo... labregos há em todo o lado XD lol

    ResponderEliminar
  5. devia ser optimista e dizer-te que melhores dias virão. talvez, daqui a uma década, não sei. agora tudo está negro. com a tua idade também estava a estudar e a trabalhar, mas há quase vinte anos era mais fácil. conhecer outras realidades é muito bom, não só pela parte financeira, mas pela experiência que ganhas.
    arrisca, sim.
    bjs.

    ResponderEliminar
  6. Miguel: Sim, até pode ser que tenhas razão, mas eu sinto que não fui talhado para morar num país tão pequeno e provinciano como Portugal. Aqui tudo é explorado à velocidade da combustão de um fósforo. Esses estrangeiros que vêm morar aqui, trazem a sua forma de ser e estar. É-lhes indiferente a mentalidade portuguesa e muitos vêm atraídos pelo clima, sem dúvida alguma bom e ameno. :)

    Mas, sim, pode ser que tenhas razão. Este país desilude-me muito.

    Pessoas como o Anónimo dão-me vontade de sair já hoje! LOL xD

    abraço :3



    Margarida: Sim, embora não seja o estado económico-financeiro do país que me leve a pensar em sair; a desilusão e a falta de pertença é o que mais me move. :|

    beijinhos :*

    ResponderEliminar
  7. E já agora quero acrescentar uma coisa, precisas de viver um grande amor, vais ver que te passa logo a ideia de mudar e de não te sentires em casa lol XD

    Abraço e não te esqueças que há um balão mágico umas centenas de metros à frente do local onde estudas LOL

    ResponderEliminar
  8. Miguel: Claro, um grande amor fará com que adore Portugal. :D

    Look, I'm speechless! LOL xD

    ResponderEliminar
  9. Conseguiste expressar perfeitamente o que tenho vindo a interiorizar.
    Sinto que talvez não pertença aqui e não sinto o apego que tanta gente sente ao falar de Portugal.
    claro que gosto de Portugal e muitas coisas que Portugal tem para oferecer, mais a nível cultural, mas não sinto o que a maioria sente.
    Talvez isso nunca vá mudar. E mesmo se mudar de país se calhar esse sentimento de não pertença irá continuar. Se calhar não pertenço a nenhum lado. Mas por outro lado tenho a consciência de que sou muito novo e as coisas podem vir a mudar e que o facto de viver numa cidade relativamente pequena, que é pequena em tudo, talvez não ajude.
    Abraço :)

    ResponderEliminar
  10. Eu compreendo bem aquilo que sentes. Acho um pouco "baixo nível" as pessoas que se escondem por detrás de rostos "anónimos" e vem para os blogs dizerem aquilo que querem e que pensam, mas que sem a máscara, às tantas não diriam. Viva a liberdade de expressão! ;)

    É outro ponto comum a grande parte das pessoas deste nosso querido país. Pela frente dizem uma coisa e por detrás dizem outra...

    Portugal nunca me cativou por aí além. Desde pequeno que sonho em viajar um pouco pelo Mundo, conhecer novas culturas e novos povos. Ainda só estive em alguns países da Europa e nos Estados Unidos da América, mas, pelas experiências que já vivi, certamente não me iria adaptar tão rapidamente como gostaria. Não sou o típico português saudosista. É verdade que também não sou insensível e desligado daqueles que realmente amo. Para mim faz todos o sentido o ditado "longe da vista, longe do coração", até porque me acontece muito.

    Concordo com o que já foi dito não só por ti mas também por outras pessoas em resposta a este post e espero que consigas realmente emigrar, pois uma pessoa com o teu potencial não consegue de todo explorá-lo num país "à beira mar plantado", como é o caso do nosso.
    Boa sorte!

    Beijinhos e abraços apertadinhos,
    Hórus e Vappy :333

    ResponderEliminar
  11. Gonçalo: O apego que a maioria sente à pátria e que nós não sentimos. O pior de tudo é a intolerância. Se somos livres e se moramos num país - dito - democrático, também podemos expressar o nosso sentimento de indiferença perante Portugal. Acima de tudo, e como bem disseste, somos cidadãos de lugar algum. Nasci aqui porque tinha de acontecer assim, como poderia ter nascido na Noruega ou na Serra Leoa. As fronteiras e os países são invenções humanas.

    P.S.: Quando mudares, diz alguma coisa. :D

    abraço :3



    Hórus: O Anónimo deu a sua opinião, não ofendendo por aí além, por isso dei-lhe o direito àquilo que ele desconhece: a liberdade de expressão. ;)

    Esse saudosismo luso poderá eventualmente existir em mim, mas no que diz respeito às pessoas e não aos lugares. Creio - não posso dizê-lo peremptoriamente - que não sentiria saudades de cá.

    Awwn, que querido. ;$ Muito obrigado! :')


    abraço e beijinho para vós! :3

    ResponderEliminar
  12. O patriotismo é uma burrice! Não interessa onde moras, nem onde vives; o que interessa é o que fazes com a tua vida! Não a desperdices a pensar muito se dever ir ou ficar... vai e se te apetecer, volta... e vai-nos dando notícias no blogue. :D

    ResponderEliminar
  13. João: Eu penso exactamente da mesma forma. Acima de tudo somos pessoas, independentemente do lugar em que nascemos. E, assim como vamos escolhendo as pessoas com quem nos relacionamos ao longo da vida, também não temos de ficar presos a um patriotismo apenas porque "sim".

    Se o fizer, será daqui a uns aninhos. Mas, sim, o blogue acompanhar-me-á por lá. :)


    abraço :3

    ResponderEliminar
  14. não estava à espera que alguém compreendesse aquilo que escrevo tão bem, tanto nos comentários como nos poemas.
    Como disseste acho que somos cidadãos de parte alguma e essa obrigatoriedade de sermos patriotas para com o país onde nascemos e sentir que devemos alguma coisa ao país, só porque o mesmo nos "viu" nascer, é pura ilusão. :3

    ResponderEliminar
  15. Gonçalo: É assim que eu penso também. Parece que temos uma dívida de gratidão para com o país mesmo não tendo escolhido nascer aqui. :)

    ResponderEliminar
  16. É importante ir conhecer outros lugares e viver por lá uns tempos. Depois farás a tua avaliação e talvez queiras voltar... ou não.

    ResponderEliminar
  17. Espero que consiga realizar esse objetivo. Se você não se sente pertencente ao seu país,é melhor você procurar um bom lugar onde você se sinta a vontade.Esses países que você citou são muito bons.Ótima qualidade de vida e bem organizados. Quem sabe se futuramente você não estará escrevendo 'As aventuras de Mark' em Sidney ou em Toronto num café enquanto vê uma bela paisagem tão comum desses países. Nunca se sabe.

    Parte do destino quem faz somos nós mesmo.


    Boa sorte nas suas aventuras!

    ResponderEliminar
  18. sad: É verdade. :)


    Anónimo: Quem sabe... Seria interessante. :) Eu pelo menos estaria feliz observando uma bela paisagem canadiana ou australiana. :D

    Obrigado! :3

    ResponderEliminar
  19. Também eu, em pequeno e ainda hoje, deliro a olhar para mapas e atlas, a ver fronteiras e regiões remotas. E acho que não é a superfície de um país que define a sua grandeza, mas a superfície das mentalidades das comunidades em que estás inserido. Para além das viagens que fiz e das pessoas que tenho conhecido, quase sempre locais, tive a minha experiência a viver no estrangeiro, num daqueles países de topo. E só aí percebi que mais importante que o país, conta a nossa cabeça e a nossa forma de pensar. E essa é igual aqui ou na Nova Zelândia.

    ResponderEliminar
  20. Coelhinho: A tua opinião, sendo de quem é, tem toda uma bagagem de experiência que lhe confere uma autoridade à qual tiro o meu chapéu. Como se costuma dizer, « fala quem sabe ». :)

    Sem dúvida, e apesar de também sentir algum desconforto por saber que Portugal é ínfimo, concordo que é o povo que define um país e não o contrário. E, aqui, estamos mal servidos de povo e de país. :s


    abraço :3

    ResponderEliminar