16 de abril de 2012

A rapariga de olhar escondido.


 No meio da confusão de folhas ordenadas, o que pode parecer paradoxal, porque sempre dividi e arrumei bem o material, antes escolar, agora da faculdade, dei pela falta de uns apontamentos de que precisava e de umas fotocópias de que necessitava tirar com urgência. Toda uma panóplia de documentação cujo único intuito é o de baralhar mais do que esclarecer, mas a consciência não ficaria tranquila se não o fizesse. 
 Na reprografia da faculdade, o caos impera. As pessoas amontoam-se por todo o lado, gesticulando e manifestando toda a sua impaciência, levando-me a duvidar, por vezes, de que me encontro num estabelecimento de ensino superior. Ingenuidade a minha, que continuo a acreditar que os maus modos ficam à porta. A brusquidão dos alunos contrasta com a parcimónia de uma empregada mais experiente que, andando de um lado para outro, procura fazer o seu trabalho à medida em que tenta acabar o trabalho dos colegas novatos, que, por aqui e ali, vão deixando incompleto o que começaram a fazer. O som das ruidosas impressoras não é suficiente para abafar as risadas nervosas de pessoas que, provavelmente, vão fazer algum teste, nem consegue disfarçar os tons de voz alterados e descontrolados. 

 Perturbado diante da balbúrdia, e estando pronto a desistir de momento, noto que uma rapariga, de rosto cabisbaixo e visivelmente assustada, movimenta-se sem sair do mesmo lugar, dando pequenos passos desordenados, mostrando nervosismo e inquietação. Perto dos computadores, ora pega no mouse, ora larga-o, desistindo, desiludida, do que estava a fazer. Pára, olha para cima e repara em mim, fitando-me com uma intenção mais clara do que se falasse. Os seus olhos, expressivos, falaram! Vi que precisava de alguma ajuda e, ao aproximar-me, senti que ficara calma, como se a tivesse salvo de um perigo. Explicou-me, envergonhada, e hesitando em levantar o rosto, de que não estava a conseguir aceder à internet, soluçando-me o que pretendia fazer: queria imprimir um código, mas de forma a que este não ficasse demasiado extenso. Já por outras alturas imprimira trabalhos e quase sempre o fizera mal. Imprimi-lhe o código que me pediu, fi-lo em frente e verso e, nas propriedades de impressão, coloquei-lhe os artigos dividos em quatro partes por cada lado da folha.

 Ao ter o código impresso nas pequenas mãos, de dedos grossos e unhas roídas, ficou estaticamente feliz, numa euforia controlada, mas perceptível, ao menos para mim. Ajeitou os óculos, ergueu o rosto e agradeceu-me. Não foi um mero agradecimento, como quando pedimos um café e agradecemos ao empregado ou como quando deixamos cair algo no chão e alguém, simpaticamente, nos faz o favor de apanhar; para ela, eu tinha feito algo de muito valioso e nobre, uma atitude que de alguma forma a marcou. Os seus olhos evidenciavam isso. Tentei minimizar a minha atitude - que não foi mais do que uma obrigação - para mais tratando-se de uma colega e de alguém que estava a precisar de ajuda. Mas, para ela tinha sido algo de muito importante. Se eu não o tivesse feito - disse-mo - ninguém lho faria porque também não teria coragem de pedir fosse a quem fosse. Por que motivo terá conseguido pedir-me a mim?
 Quis agradecer-lhe a confiança, mas tive medo de que soasse a presunção e de que não fosse de bom tom.
 Em todo o caso, senti-me uma espécie de herói, seja lá isso o que for.


15 comentários:

  1. A rapariga nem imagina a sorte que teve. Provavelmente pensou: "O céu enviou-me um anjo para me ajudar."

    Num Mundo em que as pessoas estão cada vez mais egoístas e indiferentes aos problemas dos outros, é muito agradável de ver estes pequenos gestos de sensibilidade e carinho.

    A tua ajuda foi muito preciosa e acredito que a rapariga tão cedo não esquecerá o teu nobre gesto. ^^

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  2. There's a hero
    If you look inside your heart
    You don't have to be afraid
    Of what you are

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  3. Hórus: Não fiz mais do que o meu dever. Para além disso, foi um gesto tão simples. :)

    Speedy: "... there's an answer, if you reach into your soul and the sorrow that you know will melt away... " ^^

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  4. Estou... sem ser capaz de aceder à internet... preciso urgentemente de um código... :( não tenho quem me ajude... Mark, help, help...


    Sorriso largo [.........] não, não estou a brincar contigo. Adorei a história e tu és lindo (os teus gestos, as tuas observações... e tanto mais)
    Com carinho um grande abraço.^^

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  5. Pedro: Oh, eu não fiz nada de surpreendente. :) Causou-me alguma perplexidade ver aquela rapariga ali, sem norte, a querer imprimir uma coisa tão simples...

    Obrigado!

    Um abraço grande! :3

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  6. Hórus tudo disse.
    É nestes momentos que mostramos a nossa formação/educação. E é tão bom sentirmo-nos úteis. "Herói", claro que sim!

    Abraço.

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  7. Paulo: Obrigado! Eu senti-me muito útil. :)

    Abraço!

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  8. joseph: Há quanto tempo! :)

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  9. Sempre educado com as pessoas. É isso aí,Mark! Você, como uma pessoa sensível que é, quis ajudá-la e ela agradeceu a você. São essas pequenas atitudes que faz você ser uma pessoa maravilhosa. Aposto que todos estavam vendo que a menina precisava de ajuda,mas ninguém se prontificou em ajudar, por puro comodismo.Você fez o que um rapaz bem-educado faria. Parabéns!

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  10. Citizen 86: Eu concordo quando afirmas que as pessoas estão demasiado individualistas. Ninguém mais se preocupa com ninguém. As pessoas vivem apenas no seu mundo, ignorando quem necessite de ajuda.
    Eu não acho que tenha feito nada demais como, aliás, referi no texto. :)
    Obrigado!

    Abraço. :3

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  11. Qualquer outro procedimento da tua parte é que me admiraria!

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  12. João: Obrigado, querido amigo! Mas, sabes, deveria ser o procedimento a adoptar por qualquer pessoa! Afinal, o que é que eu fiz? Nada! :)

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  13. às vezes pequenos gestos conseguem ter um impacto muito grande nos outros. Ainda bem que a conseguiste ajudar. Isto faz-me lembrar a fábula do menino que atirava as estrelas do mar de volta para o oceano.

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  14. Coelho: Sim, é custa tão pouco (nada). :)

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