6 de abril de 2012

Deixei a redoma; dêem-me as asas.


 Uma tarde entediante. Uma pastelaria, bem frequentada, repleta de pessoas frias afectivamente umas com as outras. Um chá, quente, a arrefecer na xícara. Uma torrada com muita manteiga, intragável, fruto da inexperiência de um empregado irritante. Uma revista sobre a mesa. Folheei-a.
 Não quis ler textos. Perdi a paciência para artigos pouco minuciosos, rápidos, como um flash de luz momentâneo; ao mesmo tempo, perdi a paciência para textos densos, bem elaborados, mas excessivamente ornamentados. A substância não bate certo com a aparência. Todavia, um artigo despertou-me, subitamente, a atenção. Um artigo do psicólogo Eduardo de Sá sobre as crianças e as verdades que lhes omitimos, propositadamente, tendo em vista a sua salvaguarda da maldade do mundo, maldade essa que, mais tarde ou mais cedo, ser-lhes-á colocada diante dos olhos. Certeiramente - e bem - Eduardo de Sá defende que não devemos proteger as crianças em demasia. Argumenta que as pequenas frustrações ajudam-nos a crescer, que criamos pessoas que não são capazes de lidar com os revés da vida, que a super protecção acaba por prejudicá-las mais do que beneficiá-las.
 Por momentos, senti-me um pai cheio de orgulho por estar a procurar encontrar as estratégias ideais para a educação do meu filho. Acabei por me sentir a indagar a mim mesmo: "O que é que correu mal?".
 E revi, naquelas páginas (não deveriam ser mais do que seis), toda a minha infância. Li cada erro dos pais, cada pormenor que deixaram escapar, cada pedaço que ficou por concretizar.
 Se ao menos Eduardo de Sá tivesse escrito aquele texto antes.
 Se ao menos o artigo tivesse sido lido há uns anos atrás.


13 comentários:

  1. Nunca é tarde para mudar meu querido amigo...

    Ainda vais a tempo! ^^

    Podes não poder voltar atrás no tempo, podes não recuperar a tua infância perdida, mas...nunca te esqueças da criança interior que vive dentro de todos nós! Esse laço nunca deverá ser destruído!

    Não te "condenes" pela forma como te educaram, tenho a certeza que fizeram o que acharam ser o melhor para ti!

    Estou aqui para te ajudar a abrir de novo as tuas asas e voares rumo aos teus sonhos...mas o primeiro passo tem de vir de dentro do teu coração! :)

    Um grande abraço! :3

    ResponderEliminar
  2. Hórus: Obrigado pelo carinho! :)

    O meu texto foi uma reflexão sobre o artigo que li e as memórias que me trouxe. Não tive uma "infância perdida"; pelo contrário, a minha infância foi muito feliz! :) De tal forma que os pais mimaram-me demais, não me "educaram para a vida", utilizando-me de uma expressão corrente. O que acontece é que hoje, provavelmente, não estou tão preparado para as adversidades quanto tu o estarás e a generalidade das pessoas. É o lado mau de uma infância demasiadamente protegida.

    Abraço! :333

    ResponderEliminar
  3. Sim, tens toda a razão, foste uma criança super protegida e até muito tarde. Só quando chegaste à Faculdade começaste a abrir os olhos e não foi logo de início.
    E, mesmo que possas não concordar, os teus contactos e a tua vivência com o R, ajudaram muito.
    Agora és uma pessoa diferente, sem nunca deixares de ser tu, claro, mas que deixou aquelas pequenas "manias" que te tornavam "diferente" aos olhos superficiais dos outros.
    Desses tempos há uma coisa que sempre soubeste usar e que foi a auto critica e isso também ajudou no processo de transformação porque passaste.

    ResponderEliminar
  4. João: Obrigado! Leste-me, de certa forma, a alma. :3

    ResponderEliminar
  5. Olá Mark :)

    De quando em vez falas deste teu plasma sedimentado no passado, ora directa ora indirectamente, mas ao contrário de alguém que podia tornar-se presunçoso, vaidoso e fútil com o tempo, tu tens a exacta noção de que houve, a teu ver, um lapso, uma gaffe, uma falha educacional que nao te preparou para a vida! Mas foi mesmo isso? Só isso? Seja como for, a luta que travas para te superares, mata o pedante e altivo Mark (a julgar pelo que vou conhecendo de ti), trazendo-te a um mundo onde ainda pertences pouco, mas onde a cada dia te aproximas mais desse caminho que também é teu, e te torna mais humano, mais exposto, mais sofrido, do que na hermetização do orgulhosamente só, do selfmademan... a diferença entre o que tenhas sido e o que queiras vir a ser, reside no facto de o conscencializares, e assim, ao invés de te tornares um perfeito Bosie, mais coisa que pessoa (o amante de Oscar Wilde no livro DE Profundis, escrito por este último na prisão e sendo uma longa carta verdadeira e nao ficção), te vires a tornar um Mark humano, próximo, menos distante de si mesmo...

    Se era escusado tanto trabalho? escusado, era, mas nao seria a mesma coisa ;) (ou seja, o amadurecimento nunca é sem sofrimento).

    Um abraço. O teu!

    ResponderEliminar
  6. Daniel: As vicissitudes da vida, por mais pequenas que fossem e que foram surgindo no meu caminho, pareciam-me que não tinham solução. À mínima dificuldade, sofria horrores. Com o tempo, e com esse processo de amadurecimento, fui vendo que temos de relativizar os problemas, dando-lhes a verdadeira importância que merecem. Terei sido mal preparado talvez por esse motivo. Como nunca sofri, como nunca passei por uma dificuldade, não posso dizer que a vida me ajudou a crescer; a consciência de mim mesmo ajudou-me a crescer.

    Obrigado pelo abraço; retribuo-o com outro. :)

    ResponderEliminar
  7. Educar bem, não é fácil.
    Eduardo Sá tem razão. Escuso-me a repetir o que ele escreveu.
    Na verdade não podemos esperar ter apenas vitórias, porque as derrotas também nos ensinam a crescer. A super protecção tem os inconvenientes que referiste. Mas a vida é isso mesmo - uma aprendizagem diária com alegrias e tristezas, com vitórias e revés.
    Um abraço de quem te tem muito apreço.

    ResponderEliminar
  8. Pedro: Oh, muito obrigado! :3 Também tenho imenso apreço por cada um de vós e, a sério!, agradeço imenso as tuas palavras. :')

    Um abraço sentido!

    ResponderEliminar
  9. Acho que seus pais lhe educaram muito bem. Psicólogos não sabem o que é educar filhos. Fica muito bonito dizer como devemos educar nossos filhos,dar conselhos, etc,. Na teoria tudo é bonito,perfeito,mas na prática, a coisa é totalmente diferente. Não existe uma receita pré-definida, um manual de instrução que os pais devem seguir na educação dos filhos. Tudo vem da prática. Nós somos o produto da nossa educação misturado a nossa experiência cotidiana,somados a isso, tem nossas herança genética, nosso jeito de ser tem muito de herança genética. Ficar fazendo adivinhações de como devemos ser educados pelos nossos pais é pura perda de tempo. Te acho um ser humano impar, não sei onde seus pais erraram. pai e mãe nenhum cria o filho pra ser perfeito Mark.

    Um grande abraço!

    ResponderEliminar
  10. Citizen: Realmente, não trazemos um livro de instruções connosco. Não há métodos infalíveis, mas há pequenas fórmulas que até estão presentes no senso comum. :)
    Obrigado!

    Abraço! :3

    ResponderEliminar
  11. A questão de você ser superprotegido, "mimado," como você mesmo fala,não muda quase nada. Essa questão só atrapalha no trato social, no dia a dia. Pais superprotegem os filhos, mimam, uns mais,outros menos. A maturidade ninguém ensina, se adquire. É pela nossa experiência que nós adquirimos maturidade e você tem ainda muito que aprender e amadurecer como qualquer outro jovem. Você mesmo disse que amadureceu muito quando entrou para universidade, e ainda vai amadurecer muito mais, quando conseguir o primeiro emprego, quando morar sozinho etc. É a vida que trás a maturidade, isso não se ensina. Tudo se aprende na prática.

    A grande abraço do Brasil.

    ResponderEliminar
  12. Eu punha as coisas de outro modo: ainda bem que aquele artigo só foi escrito agora, e que não foi lido pelos teus pais há uns anos atrás. Isso permitiu que te formasses da forma como és. E apesar de tudo, não acho negativa esse super-proteção que foste alvo durante tantos anos. És uma pessoa inteligente e capaz de vencer os teus próprios medos se sentires que isso é o melhor para ti. Pelo menos é assim que eu te imagino.

    ResponderEliminar
  13. Coelhinho: É verdade. Os pais que recorrem aos artigos especializados, aos técnicos informados e aos livros e manuais que, supostamente, ajudam em tudo, correm o risco de criar "autómatos".
    Mas, teria dado uma ajuda... x)
    Obrigado!

    Abraço!

    ResponderEliminar