7 de janeiro de 2012

Se a caneta preta fosse azul, desenharia as nuvens.


Não gosto de entrar no auditório quando este já se encontra cheio de alunos. Parece que as atenções se focalizam todas em mim e eu prezo por ser discreto. Para além disso, não sinto o som das botas no chão, o que desde pequeno sempre me provocou uma certa boa disposição. Fico mudo dentro de mim.
Acho que fariam bem se colocassem umas cortinas nas janelas. Os pássaros que pousam no parapeito externo não poderiam olhar para dentro, é certo, mas com certeza a luz do sol no verão e o clarão dos relâmpagos em dias de tempestade não seriam tão incómodos. Engraçado, os pássaros assistem às aulas evitando propinas e mensalidades, adquirem conhecimentos que não são testados. Vida de ave é boa.
Tirei duas canetas, uma azul e outra preta. Disseram-me que poderíamos escrever a preto nos exames. Não é muito do meu agrado. O texto fica demasiadamente denso e pesado, intimida-me e retira-me algum à vontade. Depois, já tratando-se de ti, é sem dúvida bem mais agradável observar os teus desenhos, no enunciado do exame, feitos a azul. Imagino o que seria uma nuvem preta, um mar preto (se bem que com as marés negras é um cenário cada vez mais do quotidiano) e todos os teus rabiscos a negro profundo. Perderia a graça.
Inesquecíveis, também, são as expressões amedrontadas que denoto nos rostos dos que me rodeiam. Precisariam - quem sabe - de um céu azul, não muito bem pintado porque preencher, a cor, o céu com uma esferográfica, não dá um ar quase perfeito, mas cada um fá-lo como pode. Mergulhar no céu e sentir-me um pássaro no meio de um exame é um extraordinário efeito de abstração... Pudessem eles sentir o mesmo que eu.
Se na folha branca, enunciado de mil e uma questões, temos o céu, na janela, do lado de fora, poderíamos ter um pássaro que hoje não apareceu. Entende-se, estava frio e, apesar de os dias serem maiores, continua a anoitecer cedo. Perdi minutos preciosos a olhar para as nuvens da tua folha e dei por mim a desenhá-las, não tão minuciosamente, na minha folha. Coincidência, desenhei-as a negro. A caneta azul falhara.
Essas mesmas nuvens, brancas, de contornos negros irregulares que tanto temia. Afinal, tinha sido eu a rabiscá-las no meu enunciado. Muito pouco digno de um menino quase doutor, sim, também acho (não).
Entreguei o exame e saí. O enunciado, com nuvens desenhadas a caneta preta, ficou por cima da bancada, contudo, a tempestade veio comigo no bolso.


10 comentários:

  1. Confesso que gosto de escrever a preto XD

    Boa sorte para a nota SR. DR ;)

    Abraço

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  2. sei que é de mau gosto, mas gosto de tirar apontamentos a vermelho...

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  3. Ahah, fazes-me lembrar uma colega que, no Básico, fez um teste a rosa florescente e ainda pensou, ao entregá-lo, que a professora aceitaria. :D

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  4. Essa dos pássaros à janela, desconcentrava-me de imediato...

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  5. Gostei muito deste texto, foi quase poético para mim.

    Curiosamente nunca liguei muito à cor das canetas, azul ou preta, não me interessava. Mas confesso que ao folhear algumas páginas do meu caderno escritas a caneta preta, sinto uma pressão e uma tristeza. O azul sempre dá mais cor e vivacidade à matéria.

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  6. essa cabeça pah... aí dentro deve existir mil coisas interessantes *-*

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  7. pinguim: Às vezes é engraçado ficar a observá-los, sobretudo em aulas chatas e monótonas. (:

    Lobo: Obrigado. :) Eu sinto o mesmo. Os escritos a negro trazem-me sempre alguma ansiedade.

    Denise: Oh, obrigado. :$

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  8. A tempestade veio contigo no bolso? Não percebi muito bem isso...

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  9. Sorri, Coelhinho. :)

    Usei um eufemismo. Ao dizer que a "tempestade veio comigo no bolso", referi-me a uma inquietação latente, apesar das nuvens negras que deixei por cima da bancada.

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