29 de setembro de 2011

A vida é drama, tragédia cómica.




Que trágico!, fatalismo como se um Boeing estivesse prestes a cair sobre a minha cabeça. O pormenor do Boeing cair na minha cabeça parece-me mais provável do que eu morrer dentro dele num acidente aéreo, uma vez que (quase) todos os meus colegas e amigos conhecem a totalidade, ou perto, das capitais europeias, exceto eu. Aliás, tenho sido uma grande e honrosa exceção durante toda a minha vida. Tudo acontece, tudo é, tudo esteve, tudo fez, tudo viveu, exceto eu. Deus, Ser em quem acredito piamente, estava profundamente inspirado no dia em que projetou a minha vinda ao planeta azul. Começo a ter dúvidas se Ele mesmo saberia o que estava a fazer ou se, naquele momento, teve uma qualquer urgência a acudir e descurou, por breves segundos que fosse, o término de mais uma das Suas criaturas.

Já procurei uma lista de tragédias, acontecimentos negativos, catástrofes e afins que poderiam explicar o alheamento notório de Deus aquando da minha conceção* - e aí tenho uma palavra muito especial de agradecimento ao motor de busca Google - mas nada encontrei. Resta-me deduzir, então, de que Deus estava consciente do processo em cujo teor estava envolvido aqui o Mark.

Gosto de livros pesados, maçudos e sobretudo de não os ler. Curiosamente, nunca me fiz a vontade e sempre os leio. Tenho uma qualquer vocação para absorver o difícil de uma forma verdadeiramente notável. Leio o que supostamente não deveria entender e entendo mesmo sem a ajuda dos professores. De todo, não é normal, olá?! Não sei, devo ter uma qualquer inclinação escondida para as Bíblias - as religiosas e as similares em parábolas, tédio, volume e espessura. É capaz de ser a minha veia teológica a falar mais alto. Um ser complexo deverá debruçar-se sobre coisas complexas, Deus é perfeito.

Hoje, fui com o rapaz que gosta de fingir-que-não-sabe-que-eu-sei-que-ele-sabe-que-eu-sei-que-ele-está-a-olhar-para-mim-imaginando-como-poderá-dirigir-me-a-palavra no metro. Entrou em outra porta do metro e foi justamente colocar-se ao meu lado. Detesto que me persigam. Que falta de chá. Será que me acha tontinho e quer dar, benevolentemente, explicações importantes a determinadas cadeiras?
Perdi a conta às compilações, códigos e documentação avulsa que terei de consultar. Olha que pena, nenhuma lei me resolve o problema! E temos legisladores que gostam tanto de diplomas legais e de os complicarem!.. Nem Deus, nem os homens previram algo assim. Trágico!

* Conceção (A.O. 1990), Concepção (A.O. 1945). Acordo Ortográfico, adoro-te, mas às vezes as palavras parecem um "aborto" ortográfico, desculpa.

26 de setembro de 2011

Sonhos que sonhei, onde estão?

Poderia, indubitavelmente, negligenciar a falta do calor. Não há, não existe ou simplesmente não vem. Por que não relativizamos a realidade de modo a que ela nos pareça (ou pareça, efetivamente) menos cruel? Escrevo contra mim próprio, contudo guardo em mim uma lupa que amplia os males. Acho que é genético. Não se trata, todavia, de uma ampliação qualquer; a lupa apenas aumenta o que já de si é substancialmente grande.



Realmente, há coisas intemporais, como intemporal é a nostalgia de algo que não existiu e vive em mim. Nostalgia do vazio.
Agora que os dias decrescem e as noites aumentam, o sol desce na sua trajetória até ao hemisfério sul. Continua quente, porém menos, até se dissipar todo o seu calor na neblina invernal. Paralelismos da Natureza e da minha natureza, nem sempre em uníssono, embora se complementem inevitavelmente.

Intemporal também é esta música, magistralmente interpretada pela grande Simone de Oliveira.

24 de setembro de 2011

Se eu conseguisse colocar o tempo em palavras, não necessitaria de vivê-lo.




Porque as aulas começaram e eu não comecei com elas. De facto, comecei dois ou três dias mais tarde, apesar do corpo dizer-me que estava a ter uma aula chata sobre "o vínculo estabelecido entre o devedor e o credor a que damos o nome de obrigação". O vínculo estabelecido entre o meu Eu, a faculdade, tu e o meu futuro também se chama obrigação. Obrigação também será a inevitabilidade de ter ver beijar aquela a quem chamo feia sem o ser, mas sem, também, ser bonita, interessante e sensual. Big deal, um corpo cavernoso, com espinha dorsal andante...

Olha, olha, estou a gostar mais, apesar das minhas adoradas histórico-jurídicas ficarem a chorar por mim dentro daquelas salas bafientas, ocas e de tinta de parede monótona. O mal não é inteiramente das salas; quem as frequenta tem a sua responsabilidade no panorama próximo, conhecido - sem dúvida - e cada vez mais atual.
Comecei a comprar as toneladas (uma hipérbole fica sempre bem) de livros e posso assegurar de que são pesados, à vista, massudos e cheios de linguagem que, má sorte, entendo.

Tenho ficado no jardim da faculdade, depois das aulas, a comer um gelado e a pensar na vida (onde estás incluído, por enquanto). Ultimamente, tem passado um rapaz que fica feito parvo a fingir-que-não-sabe-que-eu-sei-que-ele-sabe-que-eu-sei-que-ele-está-a-olhar-para-mim-imaginando-como-poderá-dirigir-me-a-palavra. E a mãe tarda em chegar. Agora, vem buscar-me à faculdade porque saio de tarde e fica-lhe em caminho. Não é tão querida?

Assim não carrego os livros pelo metro lotado. Tenho tanto para ler e tão pouca vontade de o fazer, parafraseando Fernando Pessoa. Acho que os livros estão bem assim, em cima da secretária, fechados e novos. Eu não lhes quebro a lombada e eles não me dão dores de cabeça. Sempre fui um rapaz com queda para o negócio.


20 de setembro de 2011

Poderíamos conquistar o mundo, talvez, à nossa maneira.


Não sou muito ambicioso, já o fui. Claro que explorar o mundo parece-me divertido, para mais tendo-te do meu lado. Meio utópico, tratando-se de explorar efetivamente o mundo. Mas, sabes, gostaria de sair daqui e viajar, conhecendo novos lugares. Guardo ainda, em mim, um lado sonhador, infantil. Uma síntese do Peter Pan e de mim próprio, sendo que nunca gostei do Peter Pan. Ficou o eu próprio, vezes demais.





Tu e eu é sempre mais do que o sonho pode conceber. Porque o sonho nunca é tão nítido quanto a realidade, assim como os beijos reais são melhores do que os idealizáveis pela nossa mente. As experiências vividas mais intensas também, embora possamos, sem dúvida, sentir o vento rompendo a nossa pele num sonho, se o quisermos.
Hoje perguntaram-me o motivo de gostar tanto da Mariah. É como se me perguntassem porque gosto de ti ou porque existo. Há coisas verdadeiramente inexplicáveis. O motivo pelo qual gosto de ti nem eu o consigo explicar; o motivo pelo qual gosto da Mariah também não, mas o facto de ser uma das melhores cantoras do mundo e esta atuação é elucidativo, não achas?


18 de setembro de 2011

As horas que me antecedem.




Quando o queijo da tosta mista derrete, vejo que está no ponto. Para mim, a tosta mista terá de ter o pão suavemente torrado e o queijo derretido, mole e saboroso. Sentei-me no escritório da mãe a preparar tudo para o reinício das aulas. Fiquei com pena de algumas canetas ainda pouco utilizadas, cores que não gastei o suficiente. Não aproveito o material de anos anteriores por um ressentimento com tudo o que me prenda a um passado do qual não gostei. A necessidade de inovar é bem maior, paradoxalmente com o medo do amanhã.

A tosta esfriou e o queijo endureceu. A garrafa de leite com chocolate encontrava-se a meio. Cada gole foi diminuído propositadamente de forma a que o leite durasse mais tempo. Seria gula ir buscar outra garrafa ao frigorífico, por isso detive-me a saborear aquela com calma. Em pequeno, gostava de fazer bolhas nos líquidos vertidos nos copos ou mesmo nas garrafas. Aprendi cedo de que isso não se faz, mas é tão divertido. Não, não o fiz.

Os cadernos coloridos fitavam-me agora por cima da secretária da mãe. A cor não lhes traz vida, garra, o ânimo necessário para que enfrentem todo um ano letivo. Peguei no estojo e aproximei-o do nariz. Gosto do cheiro a novo, por estrear, cheiro da novidade, de algo recente sem marcas do tempo ou do uso natural dos objetos. Separei cada embalagem, ainda fechada, das canetas coloridas - com aroma a pastilha elástica - e do restante material, começando a abrir uma por uma à medida que colocava o conteúdo no estojo. A novidade foi perdida, como um presente que se abre e deixa de o ser. Seria bom se perpetuássemos a novidade de uma embalagem por abrir indefinidamente.

Tudo arrumado, cuidadosamente separado. Falto eu, no fundo. Tamanha desorganização funcional que não me parece que haja muito a fazer nos próximos tempos. O ser humano, extraordinariamente versátil e adaptável às situações novas ou nem tanto, tem uma capacidade, passo a redundância, de fundir-se na sua realidade de modo a que não tenhamos a absoluta certeza de onde começa, enquanto pessoa, e de onde começou a realidade, boa ou má, que o transformou. Difícil para quem não atravessa o mesmo processo.
As horas que me antecedem doem, mas o amanhã atenuará o sentimento presente em mim.


15 de setembro de 2011

Gosto de caminhar e escutar a sabedoria da brisa tímida.


Passeei, passeei como há imenso tempo não o fazia. Acordei cedo (como de costume), tomei o café da manhã e saí. Em casa só restava a Ana a começar as suas limpezas. A mãe sai mais cedo, num ano em que nem férias na praia tirou, contra a sua vontade e a minha.
Quase que desaprendi a conduzir. Já não o fazia há algum tempo. Perdi um pouco a prática.
Comecei por um centro comercial, espaços que cada vez menos são do meu agrado. Lembro-me de passear horas a fio, com as minhas colegas do secundário, pelos centros comerciais mais badalados (e de bem...) de Lisboa. Lembro-me, inclusivamente, de cenas engraçadas passadas à entrada da loja X ou do espaço Y. Hoje, passando pelos mesmos sítios, sinto uma indiferença gritante, só não suplantada por alguma nostalgia que ainda perdura. Comprei umas roupas porque realmente precisava de dar uma renovada. Neste ano, tenho diminuído nos gastos de uma forma incompreensível, se mo dissessem há um ano atrás, e verdadeiramente impressionante. Eu precisei de comprar roupa. Precisei! Nunca antes tinha precisado porque simplesmente não chegava ao ponto de precisar. Surpreendido comigo. Demorei uma hora, quando anteriormente demorava umas cinco, no mínimo dos mínimos...

Hora de almoço? Uma sandwich daquelas completas num café-restaurante em que entrei e prontinho, quando, numa outra época, comeria refeição de prato porque - palavras que com certeza diria - "refeições rápidas não são para mim". Não eram, meu bem, não eram.
Acabei a tarde a caminhar num jardim de Lisboa, a comer um gelado e a pensar, pensar, pensar. Pensar que tenho mudado tanto que até aos meus olhos parece um absurdo. Ganhei maturidade, talvez, mas perdi brilho. Tenho a noção disso. Até no blogue é visível. A minha escrita era diferente, por vezes fútil, eu sei, mas sem dúvida mais alegre. Também eu o era e já não o sou tanto.

Pela primeira vez, temi o futuro. Temi-o porque se mudei tanto em um ano, o que poderei mudar em dez? Ficarei apático? O pior (ou melhor) de tudo, é que tenho a consciência do processo todo pelo qual estou a passar. A prova do mesmo é este texto. Muitos têm dito ao longo de toda a minha vida - e continuam a dizê-lo - que sou inteligente. Sinceramente não o acho. Porque a inteligência não se observa apenas na capacidade de auto-análise, mas também na forma como lidamos com a mudança, sem a lamentarmos, tenhamos ou não noção dela. Tenho consciência de que estou a mudar, uma lucidez tão alva quanto o branco translúcido de um lençol imaculado, mas jazo inerte perante isso.
De algo, porém, tenho a certeza: não é uma mera fase. Seja o que for, é para mudar algo de forma substancial. Só não sei como.



13 de setembro de 2011

Nunca gostei de contagens decrescentes.




Parece-me incongruente pensarmos tão afincadamente no amanhã. O amanhã não é mais do que um bocado de coisa alguma, distante, enganador, e quase sempre tão frustrante quanto o são os planos que o acompanham. Todavia, o amanhã pode ser doloroso, mais ainda se lhe atribuirmos uma importância desmedida, o que quase sempre o fazemos.

Não gosto de reinícios, da rentrée ridícula e da falsa demonstração de alegria por esse facto. Não gosto de começar nada devido à minha personalidade não tão imediata e óbvia como praticamente todas que encontramos, vulgarmente, nas outras pessoas. São tão imediatos nos pensamentos, nos juízos de valor e até nos diálogos que me sinto sempre diferente entre os demais. No fundo, gosto de não sentir alegria pelo recomeço, gosto de sentir que as minhas prioridades são outras e que não sigo o que todos sentem e fazem.

Alterar as rotinas também se torna delicado. Somos tão perecíveis à preguiça e inconstantes que nos fixamos demasiado no quotidiano. Imagino já a cor da manhã fria, a porta automática abrindo as suas portas vidradas à minha presença. O chão brilhante, a cor da madeira envelhecida dos assentos, o ambiente pesado, as feições sérias e austeras... Por que razão não somos completamente livres, se nascemos com prados verdes, brisas agradáveis e águas límpidas abrilhantadas pelos raios do sol? Por que razão tivemos de garantir a segurança, a propriedade e a liberdade como Locke defendeu, se o mundo a tudo provê?

Creio que deveríamos fazer o que sentimos, completar com atos o que o sonho pede. Afinal, sendo a vida tão curta, cada dia vivido contra vontade é uma raiva acumulada, contida, transformada em tristeza que fica e perdura. 
Ao menos, tenho consciência claríssima da infeliz vida maquinada dos homens.



11 de setembro de 2011

September 11, ten years later.



Todos nos recordamos de onde estávamos e o que fazíamos no dia em que o mundo mudou, inevitavelmente.
Todo o século XXI ficará condicionado pelos ataques suicidas ao complexo do World Trade Center e ao Pentágono. Impossível esquecer. Comigo foi assim (clicar aqui).

10 de setembro de 2011

Loved by you, just you, nobody else.

Se pudesse, viajaria numa máquina do tempo que me projetasse diretamente nos anos de ouro do cinema mundial. A cor, o brilho e todo o glamour incontestável das décadas de 50 e 60 do século passado deixam-me a pensar que os verdadeiros felizardos não são aqueles que vivem com toda a tecnologia ao seu dispor.
Lisboa preserva ainda alguns candeeiros dessa época nas ruas mais obscuras, cujo tempo teima em não deixar a sua marca. O tio também guarda o antigo Volkswagen Carocha que tanto prazer lhe deu na juventude. Em criança, adorava entrar no carro, colocar-me ao volante e sentir o peso dos anos e dos quilómetros percorridos. O estofo, usado, adquiria uma tonalidade gasta, de cor já esbatida pelo sol. Era o seu automóvel de recreio.



Cantar ao som do vento, sentindo a brisa fresca na pele, arrefecendo os ímpetos, contudo sem secar a voz quente e sedosa.



"I wanna be kissed by you, just you and nobody else but you. I wanna be kissed by you alone... I couldn't aspire, to anything higher, than to fill the desire to make you my own..."



7 de setembro de 2011

O Dia da Independência


Há imenso tempo que não dedico um ensaio ou até mesmo um simples texto à minha adorada História, ciência que tanto amo e pela qual tanto sofri ao ter de optar entre si e aquela que se veio a verificar como a minha escolha.
Comemora-se, a 7 de setembro, a independência do nosso irmão mais velho, o Brasil, expressão que uso com todo o carinho para designar o nobre povo brasileiro. Não falarei dos fatores históricos que culminariam na independência do Brasil - o que até seria interessante - mas pretendo abordar as relações bilaterais entre os dois países na atualidade.

É com um enorme prazer e regozijo que vejo o aprofundamento progressivo dos laços históricos, culturais, linguísticos e até económicos entre os dois países irmãos. Durante muito tempo - demasiado até - Portugal apenas se centrou na Europa, sobretudo após a Revolução de Abril, esquecendo-se de que tem todo um património cultural espalhado pelos cinco continentes. Também o Brasil começou, finalmente, a entender que o futuro será feito através do estudo do passado e as feridas, por fim, cicatrizaram. Hoje, vejo Portugal e o Brasil empenhados a estreitarem relações, apoiando-se mutuamente. Empresas brasileiras investirão num futuro próximo em Portugal e o nosso país será, com certeza, um forte aliado para o Brasil no que concerne às relações Brasil / União Europeia.

Pessoalmente, como já o disse no blogue, tenho uma relação de grande proximidade com o Brasil. O pai nasceu em Moçambique e com a inevitabilidade da independência das províncias ultramarinas, que se veio a verificar em 1974 (Guiné-Bissau) e 1975 (restantes PALOP e Timor), toda a família paterna refugiou-se no Brasil, onde o pai viveu alguns anos da sua juventude e início da vida adulta. Por todos estes motivos, e pese embora o facto de ainda não ter tido o prazer de conhecer o Brasil, sempre vi fotografias, li escritos e ouvi histórias desses anos em que a minha família viveu lá. A primeira esposa do pai era brasileira e tenho um meio-irmão luso-brasileiro. No fundo, também eu me sinto um pouco "brasileiro", com todo o carinho e respeito que isso implica.
Ao Brasil, e mais concretamente ao povo irmão, calorosos cumprimentos e saudações pelos 189 anos de independência.


Na imagem: O Grito do Ipiranga por D. Pedro IV de Portugal / I do Brasil (7 de setembro de 1822)



5 de setembro de 2011

Os dias de sabor agreste.


O sabor de cada dia final surge-me como o pior de todos. Má sorte a minha e conseguiria suportar tudo num estado de maior resignação. O sangue corre-me nas veias a velocidade de cruzeiro, quente, latejando interminavelmente num reflexo sentido como um nó no peito. Não quero o sabor do fim. No fundo, rejeito o reinício como uma etapa insuportável, dolorosa, angustiante.

Queria ser como todos e gosto de ser como nenhum. Sentir-se-ão indiferentes. Vivem no vácuo de uma existência em que nada é refletido. Um novo amanhã não terá mais de novo do que o inesperado. Será igual a hoje, pensarão, como foi igual a ontem. A mim, o amanhã é mais do que poderei suportar. Fundei bases no hoje que se perpetuaria, mau grado não ter esse poder, para sempre.

Se dissesse que anseio os rostos, mentiria. Mentiria como quando dissimulo mal um sorriso, os vários que, porventura, esboço ao longo daquelas horas. Ah, rejeito-vos não vos querendo rejeitar, encaro-vos desejando a última vez. Como gostaria de ser sensível às sucessivas presenças; como gostaria de ansiar o momento expectável. Sinto-me frio sem o ser, talvez apático, mas também sinto a dor que não sentem e isso poderá explicar este alheamento genético.

A porta mágica que não surge quando deveria. A luz que não ilumina quanto baste. A dimensão nunca antes vista, inalcançável. Derrota. Os passos pesados e a vida maquinada. Igual a tantas, igual a todas. Resíduo do que senti, sinto e sentirei: não sou igual a ninguém.



2 de setembro de 2011

Escafandro em Mar Revolto.


Sinto-me a mergulhar em mar agitado, de ondas elevadas e marés inconstantes. Mar brumoso, águas turvas de azul- verde marinho revolto. O som do relógio e o passar do tempo aumentam a ansiedade e o desconforto. A incerteza da existência tumultua o meu espírito inquieto pelas dúvidas da inevitabilidade do cumprimento da própria vida. A vida surge-me como um papel a desempenhar, algo que teremos de aceitar pacientemente, subjugando-nos aos desígnios de inalcançável compreensão por parte de seres tão limitados.

O meu mar nunca foi pacífico. O bater da ondulação na areia frágil deixou um rasto visível de destruição. Cada onda traz consigo pedaços de terra estranha e remexe grãos escondidos que não mais deveriam revelar-se à minha consciência. Apesar de tudo, inquieta-me a alma. Densas são as memórias como incerto é o futuro. Observando o infinito das águas, o que virá pode ser muito ou pouco, bom ou mau, doloroso ou agradável aos meus sentidos. Ambos terminam, porque se navegarmos para além das águas agitadas, chegaremos a terra seca. Assim é a vida. Tem percurso, destino e fim.

Como espectadores do bravo marinheiro, as gaivotas pairam sobre a vida voraz. Talvez querendo pescar para se alimentarem, talvez esperando pelo naufrágio aguardado e, porque não dizê-lo, certo. Para o marinheiro, a sua tarefa parece-lhe árdua. Acredita no caráter perpétuo das penas, mas sabe que a absolvição chegará. Que dualismo tão comum e tão impercetível!

Ovações e aplausos para os ousados que cumprem a tarefa com mérito. Regozijem-se as almas, o mar foi domado. É possível acalmar um mar em fúria? É possível, porquanto todos aqueles que anseiam o seu destino e o enfrentam, merecem alcançá-lo. Quem não consegue fica na praia, palco de vida estagnada. Ficam a sentir o rebentamento nos membros fracos, cujas areias voltam à superfície. Talvez mergulhem, sem barco nem maré, sem escafandro ou submarino, aguardando o derradeiro momento.



1 de setembro de 2011

Um dia que foi meu.


Entrar no centro comercial para comprar futilidades não é um bom programa de final de dia cinzento. As luzes das grandes superfícies são demasiado anómalas para que me sinta seguro. Os corredores, paralelos, assemelham-se a túneis de consumo rápido, onde se procuram calorias, sepultar mágoas e, para alguns, encher um estômago vazio de dias de fome, quase crónica, fatal, ventos assalariados advindos diretamente das memórias longínquas da Revolução Industrial.
Pessoas amontoam-se como se o produto findasse rapidamente, temerosas pelos cadernos mais coloridos, outras pelo estojo mais acessível, embora todas pautadas por um único objetivo: a satisfação das suas necessidades. O caráter supérfluo das escolhas levou-me a afastar um pouco do rebuliço da amálgama criada.

Cada caderno simboliza o início de algo que denota esperança e dúvida. Incertezas do que cada linha suportará, das memórias expressas para o futuro. Escolhi cinco, em tons variados e alegres; um misto disforme de juvenilidade e seriedade, com tudo o que comporta representar os dois papéis numa só pessoa.
As cores, apelativas, refletiam a intensa luz de megawatts de energia direcionados intencionalmente para facilitar a demanda. Teve o mesmo efeito em mim.
As canetas, também escolhidas com cor garrida - e aroma a pastilha elástica - tornaram-se mais fúteis do que eu. Agora poderia finalmente fazer jus aos cadernos escolhidos. Permutei princípios adquiridos por imposição moral e não pareci minimamente incomodado.

Quando saí, a chuva relembrou-me de que não obedece à nossa vontade. Os pingos salpicavam cada folha, desbotando o branco labiríntico das linhas vazias. Afinal, de que vale o esforço se uma gota destila o que de pior existe em nós? Um súbito arfar, uma arreliação, um gesto brusco e uma tarde estragada.

Não foi o caderno, foi uma simples folha. Simples, mas minha. Também o dia que começou foi meu, perscrutado por mim desde o amanhecer. Um dia a mais que não marcará passo. Porém meu, como todos, igual aos nenhuns que vivi ainda.