7 de maio de 2011

Levítico 18: 22




"Com varão te não deitarás, como se fosse mulher; abominação é;"


Levítico, 18: 22 / Bíblia

E foi com esta bela frase que tudo começou.
O Levítico, como se sabe, é um dos cinco livros mosaicos. Faz parte do chamado Pentateuco, juntamente com o primeiro livro da Bíblia, Génesis, Êxodo, o próprio Levítico, Números e Deuteronómio. O Levítico é, assim, considerado um livro jurídico, verdadeira compilação de direito a ser utilizada pelas gerações futuras. Claro está, tudo escrito segundo uma poderosa inspiração divina.
Podemos atribuir à Bíblia a real moralização da sociedade. É sabido e reconhecido que a homossexualidade coexistia normalmente, nas sociedades clássicas, com a heterossexualidade. Na Grécia e em Roma, a homossexualidade era encarada como um processo normal na vida dos cidadãos e não raras vezes os jovens tinham experiências homossexuais naquela que é considerada a fase de transição, a adolescência.
Moisés, qual hebreu filho de Levi resgatado das águas do Nilo, foi adotado por uma princesa egípcia e, em adulto, sabendo de antemão as suas origens, rebelou-se contra aquilo que entendeu ser uma opressão injusta contra o seu povo, o povo de Israel, o povo de Deus. Investido pelo Senhor, encaminhou o seu povo para a liberdade, resgatando-o da servidão da casa do Egito, não sem antes mostrar toda a autoridade de Deus com as dez pragas infligidas à grande civilização do Nilo. Contra ventos e marés, com a força do seu bastão separou as águas do mar perto de Pi-hairoth diante de  Baalzefon, sepultando centenas de egípcios e salvando o seu povo.
Durante a longa caminhada do povo hebreu, que ainda haveria de construir um bezerro de ouro..., Moisés juntou à boca do Senhor uma série de leis que ficariam conhecidas como leis mosaicas. Dentro dessas leis, encontramos esta passagem do Levítico.
Tratando-se ou não de inspiração divina, a doutrina do Levítico, sobretudo passagens semelhantes a esta, ajudou a impregnar os hebreus, os muçulmanos (para os quais Moisés é um dos profetas do Islão) e os cristãos de preconceitos e teorizações pecaminosas sobre a homossexualidade. Ao tornar-se a religião oficial do Império Romano, com o Imperador Teodósio I, em 380 d. C, a moralização cristã da sociedade haveria de se estender, com o fim do Império, aos povos bárbaros, recém cristianizados e, por fim, aos modernos estados europeus. A verdadeira condenação e perseguição da homossexualidade viria em 390 d. C pela mão do Imperador Teodósio I, dez anos depois do Cristianismo se tornar a religião oficial do Império.
Como é facilmente verificável, hoje em dia não estamos perante uma afirmação dos direitos das minorias sexuais; estamos, isso sim, perante um ressurgir de todos os direitos que existiam antes do Cristianismo se expandir pelo mundo ocidental. Houve uma interrupção de mil e quinhentos anos, uma verdadeira Idade das Trevas entre o mundo tolerante e o seu retorno.
Resta apreciar o conteúdo das leis mosaicas. Facilmente constatamos, ao analisar os textos mosaicos, uma verdadeira contradição entre os ensinamentos de Moisés e os ensinamentos de Jesus Cristo. Sendo certo que existem bem mais de mil anos a separá-los, os ensinamentos dos dois não deveriam ser tão diferentes, uma vez que ambos foram inspirados por Deus. Moisés é implacável, "olho por olho, dente por dente"; Jesus, por sua vez, advogou a bondade, a misericórdia e o perdão. Em nenhum ensinamento de Cristo, revelado pelos seus discípulos, encontramos uma só passagem condenando a homossexualidade. Pelo contrário, extrapolando a sua misericórdia a outras situações descritas na Bíblia, Jesus foi um exemplo de perdão, nomeadamente com a célebre mulher adúltera que evitou que fosse apedrejada (João 8: 2, 11).
Hipocrisia maior será utilizar o versículo 18: 22 do Levítico contra os homossexuais quando, às restantes leis do mesmo livro, ninguém ousa respeitar por considerá-las desatualizadas. É admissível, por exemplo, que uma mulher seja considerada imunda enquanto corre fluxo da sua carne (menstruação)? (Levítico 15: 19) Mais, faz sentido que uma mulher seja imunda por sete dias se der à luz um varão (Levítico 12: 2), mas, se tiver uma fêmea, seja imunda por duas semanas (Levítico 12: 5)? No fundo, é correto uma mulher ser imunda por dar à luz? Parece - e é - uma barbaridade entre várias. Então, porque motivo o versículo 18: 22 continua a ser utilizado por líderes religiosos e cristãos homófobos quando lhes é conveniente? Só algumas passagens são utilizadas consoante maior ou menor for a hipocrisia reinante.
Moisés viveu há perto de três mil e quinhentos anos. As suas ideias, os seus pensamentos e as suas leis refletiam os preconceitos da época. É pouco provável que Deus seja o Deus mosaico, destilando ódio e vingança por todo o lado. Seguramente, a minha imagem de Deus assemelha-se àquela que foi ensinada por Cristo: um Deus Pai e bondoso.
Todo o ser vivente é criatura de Deus. Não há excluídos nem condenados no seu enorme coração. A Bíblia terá, porventura, inspiração divina. Todavia, só após um escrutínio de todo o preconceito existente nas suas parábolas e nas suas frases poderemos retirar a verdadeira mensagem de amor, paz e reconciliação para os homens.

6 comentários:

  1. Concordo com o teu texto e aplaudo.
    A hipocrisia do cristianismo já foi longe demais.

    ResponderEliminar
  2. É precisamente esse factor de selecção de certas partes da Bíblia que mais me repugna. Só dizem o que lhes interessa e esquecem o resto. Pergunto-me quem de facto terá lido tudo e só após disso ter afirmado ou afirmar tais barbaridades e ainda assim pensar que está dizer alguma coisa de jeito.

    Estranho Mundo em que vivemos...

    ResponderEliminar
  3. Um amigo virtual08/05/2011, 02:30:00

    A tua cultura com tão pouca idade deixa-me incrédulo ao que leio. Parabéns, meu rapaz! Não te percas e continua sempre assim.

    ResponderEliminar
  4. O teu nível de conhecimento é algo assustador! Mas no bom sentido...
    Quanto aos escritos, a verdade é que muito provavelmente aquilo a que temos acesso é apenas partes "tratadas" e "seleccionadas" de entre aqueles que, possivelmente, seriam os escritos originais! Adaptados ao longo dos tempos, consoante as conveniências da Igreja e outros! Por isso, quem sabe o que estaria originalmente escrito...
    Abraço!

    ResponderEliminar
  5. Aqui está uma bela lição. Mesmo sendo origens cristãs aprendi aqui algumas coisas.
    A seleção das passagens que interessam tem sido uma constante ao longo dos tempos, como diz o CP, só referem o que lhes interessa, esquecendo o resto e a contextualização histórica e cultural de quem escreveu os textos.

    ResponderEliminar
  6. Dizes bem, a Religião opta pela interpretação que mais lhe convém...

    :)

    Abraço amigo e obrigado pela nota deste teu canto :)

    ResponderEliminar