1 de abril de 2011

Páginas de Um Diário (17 de Fevereiro de 2006)


Querido Diário,

Neste momento que te escrevo são duas e vinte da manhã e tenho o rosto molhado. Sim, estive a chorar.
O pai saiu de casa antes do jantar e disse que não voltará. Pouco antes disso, da parte da tarde, o pai discutiu com a mãe na sala de estar. Não falaram alto, mas deu para perceber que algo não estava bem. O Pedro saiu do seu quarto e foi lá ver o que se passava. Eu espreitei pela porta e vi-o a descer as escadas.
Já jantámos sem o pai. Ele veio ao meu quarto, sentou-se na cama e contou-me o que se passa. Disse-me aquelas frases banais, de circunstância, de que vai continuar a ser o meu pai, de que nunca me vai deixar, de que, enfim, separa-se da mãe e só. O meu lugar mantém-se igual. Não sei porquê, mas algo me diz que as coisas não são bem assim e que tudo se vai alterar. Pressinto-o. Nem sei para que lugar ele foi. Levou uma mala com algumas coisas e saiu de vez.
Durante o jantar nem uma palavra se falou sobre a discussão. Jantámos os três em silêncio. O Pedro lá olhava para mim para ver se eu estava bem e pouco mais.
Apetecia-me falar com alguém, explodir, gritar! Sinto-me impotente! Não posso fazer nada para mudar o que já está feito. Resta-me esperar, esperar pelos desenvolvimentos...
Queria desaparecer daqui, fugir, embora não saiba para que lugar. Gostava que o Luís me viesse buscar e me levasse para qualquer lugar. Sei lá, fugíamos ou algo do género. Oh, seria estúpido! A mãe colocaria a polícia à nossa procura e rapidamente nos encontrariam. Ou então podíamos ir para Espanha, França, sei lá, para bem longe daqui. As fronteiras estão abertas. Seria tão fácil...
Sabes, a cabeça pesa-me apesar de não ter sono algum. Sinto as pálpebras pesadas e doridas. A almofada está molhada. Acho que vou dormir com o Simba, bem agarrado a ele. O teu lugar é que é mesmo insubstituível. És o meu fiel confidente e ouvinte. E sempre o serás ( pelo menos até terminarem as tuas páginas ).

Adoro-te,
Beijinhos,

M.

13 comentários:

  1. acredito que não tenha sido fácil transcrever esta página Mark. Um abraço e obrigado por partilhares algo tão privado

    ResponderEliminar
  2. Recordações de um dia triste...

    ResponderEliminar
  3. Isto prova que quem mais sofre com os divórcios são as crianças. Os meus pais também tinham problemas e também sofri com as discussões deles e outros episódios de amantes e afins.

    ResponderEliminar
  4. Speedy: É... ainda hoje me custa um bocadinho, mas enfim... já foi...

    Pinguim: Muito triste. E o pior foram os dias que se seguiram...

    Miguel: Sofri mesmo muito. No Dia do Pai do mesmo ano, ou seja, um mês depois, chorei tanto com saudades do pai...
    Por vários motivos, considero 2006 como o pior ano da minha vida até hoje.

    ResponderEliminar
  5. Espero que este momento da história da tua vida esteja superado. 1 abraço!

    ResponderEliminar
  6. Paulo: Está, creio. Bom, mais ou menos.
    Um abraço e obrigado pelas palavras.

    ResponderEliminar
  7. O meu pai abandonou-me a mim e à minha mãe logo quando nasci, por isso não tenho memórias dele e para mim, é como se nunca tivesse existido e para dizer a verdade, nunca fez muita falta. Por isso nunca tive nem acho que vou ter uma experiência destas mas imagino que deverá ser muito duro ver o nosso ídolo, a nossa referência, o nosso pai, afastar-se de nós, depois de tanto tempo juntos e das relações que criaram.

    Mas como dizem, o tempo cura tudo.

    ResponderEliminar
  8. Lobo: Fico triste ao saber isso. Não imaginava que tivesses crescido sem pai, apesar de, certamente, teres tido muito amor e todo o carinho da restante família. :(
    Foi duro, sim, bastante. O pior mesmo foi quando a mãe casou com outra pessoa. Mas, ainda antes disso, o divórcio e todo o processo...

    Sim, o tempo ajuda a "esbater um pouco as feridas..."

    ResponderEliminar
  9. Estas tuas páginas de diário são tão lindas Mark...

    ResponderEliminar
  10. Memórias de um dia díficil! Lamento pela situação que passaste. Não conheço essa sensação pelo que não imagino o pânico e tristeza que pode gerar!

    Abraço,
    Ikki

    ResponderEliminar
  11. Ikki: Foram dias complicados... Bastante complicados... É a tristeza, a impotência e o desespero...

    Abraço.

    ResponderEliminar
  12. Nunca tive de passar por esta situação, mas quando era pequeno houve uma fase em que os meus pais discutiam muito e alto e lembro-me de estar na cama a chorar e a tentar não os ouvir.

    Para o melhor ou para o pior, dizem que o tempo ajuda a sarar as feridas. Mas acredito que isto ainda hoje mexa muito contigo. Ainda pensas que poderiam voltar a estar juntos?

    ResponderEliminar
  13. Coelhinho: Mexe comigo, sim. :( Ainda hoje, apesar de já terem passado mais de cinco anos.
    Não, é completamente impossível. Ambos refizeram as suas vidas com outras pessoas. E, pensando bem, talvez seja melhor assim. Já não estou habituado a vê-los juntos...

    ResponderEliminar