30 de março de 2011

Ironia Certeira


Há poucos dias atrás, o Financial Times, num - aliás excelente - artigo de opinião, sugeriu de forma irónica e, de certo modo, engraçada, que Portugal poderia ser anexado pelo Brasil de forma a resolver os problemas gravíssimos que o país atravessa. O artigo, segundo consta, foi mal recebido pela opinião pública portuguesa, naquilo que eu considero uma verdadeira manifestação de nacionalismo bacoco do mais démodé possível... O artigo definiu-se a si próprio como irónico.
Para além da evidente conclusão - óbvia - de que os portugueses não têm sentido algum de humor, este artigo teve a extraordinária capacidade de suscitar o meu interesse. Com tanta notícia a que estamos sujeitos diariamente, um artigo tem de ser verdadeiramente acutilante para merecer a minha atenção.
Anexação de Portugal pelo Brasil. Parece descabido? A mim, não.
Creio que será necessário esclarecer alguns pontos que me parecem essenciais para atingir o que pretendo.
A separação política entre Portugal e o Brasil não se processou de forma análoga à que ocorreu entre Portugal e as ex-províncias ultramarinas. Para ser mais claro - e não me alongando muito porque facilmente encontram a informação histórica que está disponível na net - Portugal e o Brasil ainda hoje poderiam ser um único país.
Recuando no tempo, estamos nos inícios do século XIX. Vou ser muito genérico. Portugal foi invadido pelas tropas napoleónicas, em 1807, e o rei D. João VI "retirou-se" estrategicamente (?), vulgo fugiu, para o Brasil, levando consigo toda a Corte Portuguesa num número que ascendia às quinze mil pessoas. Em 1815, e uma vez que não fazia qualquer sentido o rei habitar numa colónia, o Brasil ascendeu à categoria de reino unido a Portugal: estávamos perante o novo Estado, Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves.
Em 1820, com a Revolução Liberal Portuguesa, as Cortes Constituintes exigiram que D. João VI retornasse a Portugal (1821), de forma a jurar a nova Constituição que estava em processo de ser viabilizada e porque não era admissível que o rei português continuasse fora do reino, numa "colónia", tantos anos passados desde que foi definitivamente afastada a ameaça francesa. O rei retorna a Portugal e deixa como regente, no Brasil, o seu filho Pedro (futuro Pedro IV de Portugal, I do Brasil). Não nos esqueçamos de que o Brasil já era um reino. As Cortes Constituintes, não satisfeitas, quiseram mais: para além de exigirem o regresso do princípe herdeiro para a metrópole, para aí concluir a sua educação, pretenderam subalternizar a posição do Brasil, tornando-o novamente uma colónia de Portugal. Os portugueses do Brasil (na época, não eram designados de brasileiros: o termo surgiu com a independência) e D. Pedro não aceitaram: dá-se a Independência do Brasil, em 1822, formalmente reconhecida por Portugal em 1825.
Como é facilmente verificável, o Brasil pretendia manter-se unido a Portugal, não fosse a intransigência das Cortes Constituintes. Hoje, possivelmente, poderíamos ainda ser o grande Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves, ou numa forma republicana, quem sabe? A situação do Brasil foi substancialmente diferente da ocorrida nas colónias espanholas da América Latina. Tínhamos tudo para continuarmos unidos, o que seria possível caso não existisse a típica burrice lusitana.
Voltando ao artigo do Financial Times, chegamos facilmente à conclusão de que a ideia não é, de todo, descabida. Claro que uma situação de anexação é totalmente inviável e inaceitável, não por uma perda de status lusitano, mas porque o neocolonialismo a esses extremos seria absurdo. Defendo, isso sim, a criação de uma Federação entre Portugal e o Brasil em pé de igualdade jurídico-legal entre ambos. Os laços históricos, culturais e linguísticos apontam nesse sentido de forma inequívoca.
A União Europeia caminha num processo descendente - sou totalmente eurocético -, logo, o melhor caminho para Portugal, unindo-se, seria com um país irmão e não com países totalmente diferentes, pese embora o facto de partilharem o mesmo espaço geográfico.
Portugal vive dias terríveis e cada vez menos os países mais pequenos conseguirão sobreviver num mundo globalizado.
Mas, não, o nacionalismo ridículo não entendeu a ironia e mais: ressentiu-se de tal ideia.
Que eu esteja enganado, porém, pode ser que sejam absorvidos pelos hermanos, tarde ou cedo, sem possibilidade de qualquer escapatória...
A solução para Portugal, hoje como ontem, está na sua capacidade atlântica.
É nela que vive o futuro do país.

14 comentários:

  1. "Interessante" no bom sentido, gostei de ler e do seu conteúdo. Tinha que esclarecer porque lembrei-me que há quem use este termo como "sem comentários" ou pejorativamente lol. Mas eu adoro a União Europeia, precisa é de uns ajustes.

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  2. não sei... a UE está também uma lástima, tirando 3 países. Não sei se vai com ajustes. Melhor, ninguém sabe com que vai.

    abc

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  3. Mark
    a tua visão deste assunto, embora bem alicerçada nos laço históricos, não tem , nos dias de hoje, a menor hipótese sequer de ser encarada; e tu sabes que é verdade o que estou a dizer: é uma pura utopia!

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  4. Sinceramente acredito em parcerias, sejam ibéricas ou transatlânticas, mas não em indexações.Quanto à Europa, continuo a acreditar no projecto. No entanto, acho que a recuperação dependerá sempre de um saudável proteccionismo.

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  5. Mark, gostei muito da reflexão. São as ironias da história que causaram toda essa situação. Realmente nossos paises ainda poderiam estar unidos atualmente, todos ficariamos ganhando. E dessa forma você viria finalmente ao Brasil conhecer nossa linda terra :)

    Beijos
    Laiane

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  6. Adorei... Muito embora não veja grandes possibilidades, ainda que os acontecimento levassem a desenrolares diferentes, para uma união luso-brasileira...


    Isto de ter um blogue pedagógico tem que se lhe diga... =) Aliás, a tua escrita é incrível...


    Parabéns!


    Stay Well

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  7. Não foi a burrice lusitana que separou os Países, as cortes constituintes tiveram razão no facto de exigirem para Portugal o estatuto de Centro do Império, não fazia sentido na altura manter o Brasil como Reino. Como Reino, o Brasil tinha o direito de comercializar a seu gosto os bens aí produzidos sem que os mesmos beneficiassem os cofres de Portugal (Europa), os portugueses do Brasil ficariam cada vez mais ricos e os da Europa ficavam a ver navios. Esta situação de Reino Unido de Portugal,Brasil e Algarves não era sustentável, não só pela facto de não existirem meios de comunicação e transportes eficientes, como pelo facto de que o Principal centro de comércio se situava na Europa e o velho continente era o "Centro do Mundo". Portanto, acho incorrecto criticar os nossos antepassados pelas suas acções, é verdade que fizeram muita asneira mas viviam numa época diferente e com meios extremamente limitados.

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  8. E não me interpretem mal, eu gosto do Brasil, e prefiro mil vezes ter Portugal unido aos nossos irmãos Brasileiros do que aos Espanhóis. Mas enfim, os nossos governantes de à séculos atrás não tiveram a sorte de ter os meios de comunicação que temos hoje, pelo que mesmo que quisessem ter unido o Brasil e Portugal, penso que seria muito difícil obter uma governação conjunta eficiente.
    Quero também dizer mais uma coisa: elogio o Brasil pelo sistema de governação presidencialista que possuí, pois considero-o mais eficiente do que o nosso sistema governativo. A nossa assembleia da República é uma palhaçada e sou da opinião de que todos os governos eleitos deveriam ser de maioria absoluta, caso contrário andam a brincar aos governos e ninguém governa nada.

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  9. Miguel, a Guiana Francesa (um ainda extenso território na América do Sul, a norte do Brasil) continuou - e continua - a pertencer à França. Os meios de comunicação também eram deficitários para eles na época.
    Em relação ao sistema presidencialista no Brasil, não confundas: eles têm um Congresso, tal como a nossa A. R., apesar do sistema ser presidencialista. Mas isso é o titular do poder executivo, que a nós está entregue a um Primeiro-Ministro e, no caso brasileiro, ao Presidente.

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  10. A Guiana Francesa não tem comparação com o Brasil, o Brasil é muito maior e logo mais difícil de governar... Essa comparação é o mesmo que comparar Portugal com Luxemburgo... e como podes ver, Luxemburgo é mais pequeno e está melhor que nós, não precisa de se unir a ninguém...

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  11. Pois é mais pequena, sim, não disse o contrário. Disse que uma está na América do Sul e outra na Europa e estão unidas. Mais: não disse que Portugal iria "governar" o Brasil. Falei numa Federação em que cada parte mantinha os seus próprios órgãos, unidos, todavia, num sistema federalista, com paridade.
    Ora, houvesse vontade de ambas as partes e tudo se fazia!

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  12. Mark, algo utópica a tua ideia, mas do ponto de vista económico muito interessante! Mas a alienação da soberania de um qualquer Estado, mesmo por mais infíma que seja, é sempre tema tabu.
    Eu acredito que, num futuro quiçá não tão longínquo quanto se possa pensar, a solução para o planeta passe pela "fusão" entre alguns países!
    Mas isto é um tema polémico e complexo que apenas poderia ser discutido "ao vivo" para se poderem expressar todas as ideias de forma fidedigna!
    Mas fica a minha contribuição!

    Abraço,
    Ikki

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  13. Mark, acho que fizeste um exercício interessante de reflexão de como uma política diferente e talvez menos desse nacionalismo irracional poderiam ter levado a um fim totalmente diferente do atual. Apesar do Miguel ter razão em relação à tributação e aos fluxos monetários (sobretudo ouro), penso que poder-se-ia ter chegado a uma solução de consenso que permitisse uma união política.
    Porém, a evolução histórica não foi essa, e é sobre factos que falamos. Portugal e Brasil são dois países distintos, com muitos aspetos em comum mas ainda assim diferentes. Eu sou pró-europeu, como já te disse uma vez, e acho que a solução (ou o caminho para ela) está do lado de cá do Atlântico.

    Num ponto concordo inteiramente contigo: os portugueses não têm sentido de humor. Tive oportunidade de ler o artigo na altura em que foi publicado, e gostei bastante do tom humorístico quase jocoso que o autor lhe imprimiu.

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