22 de agosto de 2010

Sinais dos Tempos



Hoje tenho estado ligeiramente nostálgico. Passei o dia a ler e a escrever, de forma que evitei a praia. Escrevi um texto sobre o divino e o sobrenatural, quem sabe inspirado no dia em que faz treze anos desde a morte da bivó. Uma amiga da mãe, que veio passar uns dias connosco, deu por mim a escrever e sentou-se ao meu lado, talvez esperando que eu falasse alguma coisa. Estava concentrado demais para deixar escapar uma única palavra. Quando, finalmente, fiz uma pausa, perguntou-me o motivo de tamanha introspecção. Falei-lhe sobre o significado que estes dias têm para mim, da perda de duas pessoas que me eram especialmente queridas. Fiz algo que nunca tinha feito anteriormente: mostrei-lhe o rascunho de uma das minhas crónicas (quem sabe a ser publicada aqui).
Leu atentamente, reparei. Escrevi sobre Deus, o significado da alma e do mundo post mortem. A mãe não estava presente, o que intensificou, de certa forma, o momento. Recebo a pergunta mais despropositada que alguma vez ouvi.
- "Mas tu ainda acreditas em Deus?"
Fiquei sem reacção. Não sabia que a crença, ou não, em Deus, dependia do contexto temporal em que se vive. E, se dependesse, todos acreditariam em Deus. Creio que ainda é mais comum acreditar do que não acreditar. Será que está na moda não acreditar em Deus? Senti-me desprotegido, estranho. De facto, são os sinais dos tempos a aproximarem-se violenta e impiedosamente. Um dia será antiquado acreditar em Deus. E rematou:
- "Um jovem tão novo não devia ligar tanto à religião..."
Como explicar-lhe a diferença entre a crença e a religião? Acreditar em Deus não está relacionado com a prática de uma religião. No Ocidente, principalmente católico, associa-se Deus à Igreja Católica Apostólica Romana. Já para não falar da expressão "jovem tão novo", uma redundância totalmente inadmissível. Um jovem velho?
Fiquei decepcionado com ela. É um facto que desde que a conheci constatei a sua forte aptidão para o desporto e a sua fraca tendência para a cultura, literatura, no fundo, a sua mediocridade intelectual. Às vezes, questiono a vocação da mãe para fazer amizades. Que vazio humano. Se a senhora não acredita em Deus, necessariamente deve respeitar quem acredita. Aliás, as questões de fé não são questionáveis. Ela não se apercebeu, tenho a certeza, mas demonstrou uma intolerância subtil e um germe de preconceito que começa a fazer-se sentir no seu interior.
Por Deus, mata-se e morre-se. E assim continuará, até ao dia em que todos se aperceberem de que o respeito pela liberdade religiosa é uma meta prioritária.
Paradoxalmente, junto a crença com a célebre frase de Karl Marx, salvaguardando as devidas diferenças entre a crença em Deus e a Religião.
"A religião é o ópio do povo."

14 comentários:

  1. De facto essa senhora transpira uma intolerância religiosa e humana que é qualquer coisa. Mesmo sem conhecer o teor concreto do texto que escrevias, certamente é algo significativo para ti, que deve ter ficado evidente na conversa prévia que tiveram. O ridículo da pergunta que ela te fez deve ser inversamente proporcional à sensibilidade dela.

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  2. É mais uma das muitas amigas fúteis que a mãe tem. O pior é que não são apenas as amigas da mãe a serem assim. Antes fossem... :) ...

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  3. ena...
    essa senhora realmente nao deve ter muito a noção das coisas...
    ás vezes é bom acreditar em Deus, ou em algo para além deste mundo, nem que seja como uma especie de protecção, ou de refugio, sobretudo quando perdemos alguém especial..

    achei interessante o tema da tua "cronica" gostava de ler... xD
    beijnho*

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  4. No meu caso, eu acredito em Deus em todas as situações e estados de espírito: felicidade, tristeza, nascimentos, mortes... Apenas acredito. Mas reconheço que até dá um grande "jeito" acreditar Nele em determinadas circunstâncias, pelo menos para algumas pessoas.
    Se faz bem, façamo-lo. :)

    Beijinho, Pi**. :)

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  5. Essa é uma discussão absolutamente empolgante para mim.

    Vivemos num tempo em que se valoriza demasiado as capacidades confinadas à nossa metade esqueda do cérebro: análise, cálculo, lógica... As pessoas estão cada vez mais com os pés assentes na Terra, e isso, não é propriamente bom.

    Eu acredito que a maior parte das coisas na nossa vida estão fora do nosso controlo ao contrário do que algumas pessoas possam pensar.

    Eu não posso prever a maior parte dos acontecimentos que ocorrem na minha vida. Vivo na dúvida e na incerteza. E essa questão, esse sentimento latente, que sempre esteve nas profundezas no meu ser, emerge nas piores alturas da minha vida. Já não chegava eu estar na "merda" LOL as questões vêm atormentar-me: "O que fazemos aqui?" " Para onde estou a caminhar?" "Que sentido tem tudo isto?" " Será que vou morrer no próximo segundo? Não era impossível. Como posso garantir que isso não vai acontecer?".

    Ao contemplar o universo nós somos esmagados perante a nossa insignificância, a nossa pequenez.

    Para mim a resposta a tudo isto só pode ser uma, a existência de Deus. Não entendo como se caminha na vida sem este tipo de suporte espiritual.

    Largando estas questões. A minha consideração por ti subiu exponencialmente por teres a mariah carey como cantora favorita. =P YEAHHH! MC! MC! MC! =D

    Abraços e tudo de bom! ;)

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  6. Há um sol brilhando dentro de ti.
    É a presença do Cristo no teu coração. Não lhe empanes a claridade com as nuvens do mau humor, da revolta, da insatisfação...
    A luz que vem do exterior clareia, mas, projeta sombra, quando enfrenta qualquer obstáculo.
    O teu sol interior jamais provoca treva, porque ilumina de dentro para fora, em jorros abundantes.
    Usando o combustível do amor, tua luz se fará sempre mais poderosa,
    rradiando-se, abençoada, em todas as direções.
    Permite, pois, que brilhe a tua luz em toda parte.

    @ Joanna de Ângelis @

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  7. De facto vivemos num tempo de grande futilidade. O facto de termos um grande acesso à informação, não nos torna mais cultos. Pelo contrário. Ou nos tornamos exigentes e reflectimos e escolhemos e de certo modo nos tornamos elitistas, ou caimos na mediocridade em que vive a amiga da tua mãe.
    Hoje surpreendeste-me pela maturidade com que vês as coisas mesmo rodeado de tanta futilidade. Dizia Carl Gustav Jung um dos seguidores de Freud na Psicanalise, "Vocatur atque non vocatur, Deus aderit". Chamado ou não chamado Deus existe. Ele não existe porque eu acredito. Eu acredito porque Ele existe. E Deus é amor, é paz é conforto. È pena os homens desfigurarem a sua imagem, matarem por causa dele, e tornarem Deus um tirano sedente de vingança.
    Parabens Mark. Descobriste que Deus está no teu interior e é um porto de abrigo no meio de tempestades.
    Um abração cheio de carinho

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  8. Water Element: Sim, eu também não consigo conceber o mundo sem a existência de Deus. E, tal como tu, sinto a pequenez e a insignificância do Homem. Mas não digas que estás na "me***". Há sempre um novo amanhã. :)
    E, já agora, ainda bem que também gostas da Mimi. Eu gosto imenso dela. :P
    Abraço grande.


    João Eduardo: Muito obrigado por essas palavras. Gostei bastante. :)


    Sôfrego: Exactamente. Toda a informação a que estamos sujeitos obriga-nos a uma selecção mais rigorosa daquilo a que temos acesso. Eu vivo num mundo fútil, é verdade, e não imaginas a força que faço para escapar a essa tendência... :)
    Lamento que a imagem de Deus seja adulterada pelo ódio e pela sede de vingança do Homem. Deus, seguramente, é paz e amor.
    Obrigado pelas tuas palavras.
    Abraço com carinho. :))

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  9. Em que acreditará essa senhora?
    Fazes bem em questionar se o problema de acreditar em Deus é temporal.
    Acreditar em Deus, num deus, nalguma coisa superior,é para mim fundamental.
    Outra coisa é acreditar nos homens que na terra são considerados os servidores de Deus e dos deuses; sempre tive receio de emissários e sempre me dei muito melhor com o contacto directo com as pessoas, as realidades e as entidades.

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  10. Mark: Existem jovens adultos - é uma expressão conhecida, que não deixa de ter uma semântica estranha.

    Concordo que se deve respeitar as crenças de cada um. Confesso que partilho um pouco a ideia de que existe algo superior, algo que tenha criado as leis fundamentais do universo, juntamente com Carl Sagan.

    E a hipótese de se atingir o 5º império evocado por F. Pessoa é esse mesmo que dizes: o respeito pelas crenças, e mais que uma tolerância - uma aceitação do próximo...
    Muitas guerras acabavam.

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  11. Só não percebo é o porque de tanta intolerância para com a amiga da tua mãe... sinceramente acho as palavras que usas para a descrever totalmente despropositadas pois, a meu humilde ver, dá a entender que menosprezas e ridicularizas o reparo dela.
    Louvo-te a forma como defendes a tua crença em Deus e a forma como disso falas... É algo importante para ti e vê-se fazer parte da tua essência. Se eu acredito? Sinceramente não... não acredito mesmo em Deus, pelo menos não de uma forma identificável pelos outros.
    Acredito em algo, tenho fé em algo... mas em algo só meu... algo muito próprio que vivo á minha maneira e que não to saberia descrever…
    Hoje em dia é muito raro alguém mais novo acreditar dessa forma em Deus... aliás, hoje já se acredita em muito pouca coisa e, por um lado, ainda bem… sinal de que não ficou tudo estupidificado e agarrado ao conhecimento de massas que algumas coisas representavam.
    Percebo perfeitamente o seu reparo e não consigo compreender como poderás ter ficado dessa forma em relação ao mesmo. Provavelmente exploraste mais o sentimento inicial que a situação que trouxe do que o verdadeiro intuito com que o comentário te foi feito.
    Acho que ninguém deve ficar assim decepcionado com alguém... um vazio de pessoa ou mediocridade intelectual são outras coisas que são muito, mas muito subjectivas. Quem sabe outras pessoas não te poderão apelidar a ti, a mim, ou a qualquer outra pessoa do mesmo?
    Há vários níveis para se conhecer uma pessoa e não somos apenas aquilo que uma determinada situação deixa entrever…

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  12. pinguim: É nesses "intermediários" que eu não acredito mesmo. Tal como tu, para chegar à Entidade, seja ela qual for, sigo um processo meu e bastante íntimo. Creio que ninguém necessitará de segundos para estar perto daquilo em que acredita. :)


    Vasco: Sim, mas ela não se referiu a jovens adultos, mas sim a jovens novos... É estranho, convenhamos. :)
    Foi com base no princípio da causa inteligente que eu justifiquei a minha crença em Deus. Foi uma fórmula pessoal, uma vez que, embora nunca tenha questionado a Sua existência, tentei ao menos entendê-la.
    Em relação à tolerância: nunca foi tão necessária como nestes tempos.


    Ritchie: Eu respeitei a pergunta dela, mas não compreendi a correlação Espaço Temporal / Deus. O facto de vivermos no século XXI, o que nos possibilita um maior conhecimento a todos os níveis, não justifica que eu deixe de acreditar em Deus, ou seja no que for. Não teve sentido a pergunta que ela me colocou.
    Não é raro existirem jovens a acreditar em Deus. É mais comum do que possas pensar. Porém, há um distanciamento progressivo. Isso sim. No entanto, eu nunca fiz o que os outros (jovens) fazem só porque o fazem. Penso por mim. A maioria deixa que pensem por si.
    Claro que o lado emocional pesou bastante e, de facto, o conceito de "mediocridade intelectual", usado por mim, é amplo e vasto. Ela terá os seus conhecimentos. :)

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  13. Então... mas a relação entre espaço e Deus está relacionada com o que te digo. E, desculpa-me o facto de continuar a discordar do que dizes, mas não acredito que haja assim tanta gente a acreditar em Deus. Podem ser muitos mas, na idade de adolescência/início da idade adulta, há muito mais quem não acredite do que a acreditar.
    Ainda recentemente tive esta conversa com uma amiga minha que até catequese dá... pois, para ela, é normal que haja mais gente a acreditar e até a seguir e praticar uma religião... a realidade dela é dar-se com pessoas que comunguem esse tipo de dogma com ela… entretanto abri-lhe um bocado os olhos e consegui que ela entendesse o mesu ponto de vista vendo as coisas de forma diferente.
    Também não acho que os jovens, pelo menos todos, tenham deixado de pensar por si... olha o meu caso: uma família católica e, não de forma beata, praticantes… e desde sempre que muito me distanciei desse contexto e conteúdo. Não me identifico e pronto!
    Mas ainda hoje não se pode dizer ao pé da minha mãe que não acredito em deus que ela fica com os olhos a catrapiscar.
    Mas agradeço a tua resposta e agradeço que, por ela, tenhas pensado naquilo que escreveste e pelo menos, feito o reparo em relação ao que escrevias sobre a amiga da tua mãe. Não sei… chama-me antiquado mas não gosto de falar dessa forma das situações que passo com as outras pessoas ou vê-las tratadas dessa maneira pelos outros.
    Ninguém é mais do que ninguém nem melhor. Somos todos pessoas válidas e com as diferenças que nos caracterizam e diferenciam… quer para o bem quer para o mal

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  14. Ritchie: Continuo a achar a amiga da mãe uma pateta e indiscreta. :) E, faça ela o que fizer, diga o que disser, não mudará esta impressão que tenho dela. Porque eu, no seu lugar, não teria reagido da mesma forma ao ler um texto.
    Em relação a "falar das situações que passo com as outras pessoas": no meu blogue, por vezes, publico situações do meu quotidiano pela etiqueta "Diário", e continuarei a fazê-lo sempre que me aprouver.
    Não me considero mais do que ela ou de quem quer que seja e muito menos a tratei de forma indelicada, apenas divulguei a minha opinião no meu blogue, o que devo e posso fazer. :)

    Fica bem.

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